Aos oito anos, a caxiense Manuela Leidens tem uma noção de empatia que ainda falta a muitos adultos, talvez à maioria. Não só no que demonstra quando é perguntada sobre o significado palavra, mas também nos gestos que enchem de orgulho a mãe, Denise, 37.
Dois anos atrás, a menina observava a mãe mexer nas redes sociais quando teve a curiosidade despertada por uma foto em que a professora Luciana Gecchelin, amiga de Denise, aparecia com algumas mechas de cabelo na mão. Quando a mãe explicou que aquelas mechas iriam virar perucas para crianças e mulheres que perderam o cabelo por conta do câncer, a reação de Manu foi espontânea: iria deixar o cabelo crescer para doar no ano seguinte. E assim aconteceu, em outubro do ano passado.
– Fiquei muito feliz de poder ajudar outra pessoa a ficar feliz. Vou doar ano que vem, porque esse ano ele tá pequeno – conta a menina.
Enquanto aguarda as madeixas crescerem mais alguns centímetros, recentemente a moradora do bairro Esplanada estendeu sua generosidade à amiga e vizinha Helena Minuzzi, 6, que foi diagnosticada com leucemia e também ficou carequinha durante o tratamento. Foi dela a ideia de recorrer novamente à “profe Lu”, para mobilizar uma nova rede solidária que entregou à Helena uma peruca:
–.Fiquei muito triste quando soube que ela estava com a doença, mas agora fiquei mais feliz e minha amiga também. Ela está muito linda com a peruquinha – elogia Manu.
Para a mãe, reconhecer na filha, mesmo tão jovem, um olhar tão atento à necessidade da amiguinha ou de pessoas que ela nem conhece, mas sabe que estão sofrendo, é ter em casa alguém que veio à Terra com uma missão:
– Ser pai ou ser mãe é experimentar um amor incondicional. Ter uma filha com a Manu, com esse coração imenso e essa atenção ao outro, E pensar que há tantas outras crianças com esse coração maravilhoso, nos dá uma esperança em um futuro em que as pessoas possam se ajudar mais.
De frente com a Isabele
Quando uma criança-prodígio alia inteligência, habilidades sociais e vontade de fazer a diferença na vida das pessoas, daí pode sair uma Isabele Rezzadori. Com vocação para influencer mirim, a menina de 12 anos, que começou a ganhar seguidores no Instagram com desfiles de moda e dicas de leitura, nos últimos meses usou a veia comunicativa para realizar entrevistas com profissionais da saúde no seu perfil (@belerezzadori).
Como fazem os bons jornalistas, Isa escolhe seus convidados por relevância social e atualidade, sempre com a ajuda da mãe, a psicóloga Eliane Rezzadori, e o pai, Márcio, que ajudam a preparar as perguntas. No programa que deu o nome de “Bele Aprendendo com…”, desde julho a menina já levou aos seus mais de 1,7 mil seguidores entrevistas com psicólogas, ginecologistas, fonoaudiólogas, endocrinologistas e outras profissionais da saúde, sempre realizadas à distância. Numa das entrevistas mais recentes, Isa convidou a menina Valentina Massens, 12, que superou um câncer no olho diagnosticado aos três meses de vida.
– Com toda essa questão da pandemia, minha ideia era trazer informações para ajudar o meu público, que é pré-adolescente. Um espaço para eles tirarem suas dúvidas sem que as pessoas fiquem rindo, sem julgamentos. Quando vi, comecei a ter a audiência de professores, pais de colegas, até a diretora da escola. Isso me deixou ainda mais feliz – conta a menina, que é fã da atriz e influencer britânica Millie Bobby Brown (a Seven, do seriado Stranger Things).
Entre os assuntos abordados nas entrevistas, Isabele prioriza temas que sirvam como prestação de serviço: quais os cuidados que adolescentes precisam tomar para não se expor nas redes sociais? O uso excessivo de fones de ouvido pode provocar danos à saúde? Quando o comportamento de um adolescente indica que ele deve procurar apoio psicológico?
– É algo que ela tem desde pequena, essa questão de mandar recado, de perguntar como estão. Na pandemia aliou esse traço à facilidade que tem para se expressar, às vezes vencendo até a vergonha de perguntar sobre algum assunto mais delicado, como as mudanças no corpo durante a puberdade – comenta a mãe.
Irmãs em defesa da mulher
Como as mulheres percebem a si mesmas numa sociedade adoecida pelo machismo? Essa dúvida motivou duas irmãs moradoras do bairro Serrano, Nicole, 14, e Sophia Miyagawa, 12, a criarem, no Facebook, a página Empoderadas Caxias.
A provocação partiu de um projeto extracurricular da Escola Municipal José Protásio, Fernando Menegat. A ideia de Nicole resultou no projeto que convida mulheres a responder: “por que me sinto empoderada?”
– O objetivo é mostrar mulheres que às vezes parecem invisíveis na sociedade, mas que têm sua história de luta e merecem ser vistas – conta a mais velha.
Com propriedade de uma debatedora experiente, a caçula discorre sobre os males da sociedade patriarcal e importância do lugar de fala para as mulheres:
– Ainda tem mulheres que, talvez pela criação, acham que tem que se limitar a cozinhar pro marido e cuidar dos filhos. E elas têm direito de trabalhar, de serem donas das suas próprias vidas.
Sophia diz que gostaria de ver mais meninas da sua idade tomarem consciência sobre temas como violência doméstica e exploração sexual da mulher.
– Me deixa chocada ver meninas da minha idade que acham que beijar e arrumar namorado é tudo o que importa – reflete.
A página das meninas, alimentada toda semana com novos depoimentos, pode ser conferida em facebook.com/ComOrgulhoMulher/
Nicole, a defensora dos animais
Foi num Dia das Crianças que Nicole Vieira, hoje com 9 anos, pediu para acompanhar a mãe numa ação de resgate de cães em situação de maus tratos, na casa de um caçador. Simone Vieira é vice-presidente da ONG Proteção Animal Caxias, a PAC, e pelo exemplo materno a filha herdou não só o amor pelos bichos, mas a vocação para cuidar.
– Ela pede para ir nas ações de resgate comigo e já foi em duas, esta na casa do caçador e outra onde buscamos um cãozinho com sarna. Gosta de ajudar nos eventos e feiras de adoção da ONG...esse é o mundo dela. É bonito ver o cuidado que ela tem por todos os animais, sem distinção – elogia a mãe.
Não é por acaso que a jovem moradora do bairro Santa Lúcia tem no quarto, como brinquedo preferido, uma clínica veterinária. É o espaço onde ela solta a imaginação, com caixas vazias de remédios e vacinando bichos de pelúcia, como se já treinasse para a profissional da saúde que quer ser.
– Meu futuro vai ser envolvido com os animais. Sonho em ser veterinária e ter uma clínica – conta Sophia.
A paixão pela causa animal também é levada para a escola, onde procura conscientizar os colegas sobre a importância de adotar com responsabilidade. Dessa forma já conseguiu encaminhar adoções de cães, gatos e até de um peixinho. Para Nicole, nada é mais prazeroso do que promover o encontro entre um bicho e seu novo dono.
– Não sei explicar, mas parece que me sinto mais leve, como se tivesse feito uma coisa boa – resume a menina.
Para este Dia das Crianças, faz questão de deixar um recado:
– Se você for dar um animalzinho para o seu filho, antes tenha consciência de que precisa cuidar, dar água, dar comida, muito carinho e jamais abandonar.
Arthur, sempre alerta a ajudar o próximo
Foi seguindo os passos do pai, praticante do escotismo durante a infância no município de Dom Pedrito, que aos sete anos Arthur Garcia entrou para o grupo escoteiro caxiense Saint-Hilaire. Hoje, aos 11, o menino caxiense carrega no dia a dia os valores de cooperação e prontidão para ajudar o próximo que se renovam a cada sábado de atividades com os colegas lobinhos (denominação dada às crianças escoteiras).
– Se o Arthur está no mercado e vê um idoso com sacolas pesadas, ele se oferece para carregar sem nem perguntar onde mora – conta a mãe, Fabiane de Oliveira.
A empatia de Arthur, no entanto, vai além de beneficiar o próximo que está diante dos seus olhos, e já é carregada de um senso de responsabilidade coletiva para com os mais necessitados e para com o meio ambiente. O menino é o responsável pela separação do lixo da casa, e também de recolher tampinhas que entrega pessoalmente ao projeto Engenharia Solidária, da UCS (que beneficia ONGs dedicadas a atender pessoas e animais em situação de vulnerabilidade). Na pandemia, em atividade proposta pelo grupo escoteiro, Arthur teve de realizar uma boa ação virtual. Com sua caligrafia infantil, escreveu um cartaz convocando pessoas a doarem sangue para o Hemocentro de Caxias:
– Eu vi na televisão que os estoques estavam muito baixos e achei que podia convencer pessoas a irem doar sangue, que é muito importante para tratar diversas doenças. O primeiro que convenci foi meu pai – conta o guri, que está deixando o cabelo crescer para doar a alguma instituição que recolha mechas para confeccionar perucas a vítimas de câncer.
Fabiane não sabe mensurar o quanto do altruísmo que o filho demonstra é fruto da própria personalidade e o quanto se deve ao estímulo que recebe no grupo escoteiro. Não importa. Fazer o bem, afinal, não é algo que precise ser explicado, apenas incentivado:
– É um menino que fica muito pensativo quando a gente está na rua e passa por alguém que está pedindo esmola, ou quando assiste alguma reportagem sobre trabalho infantil, por exemplo. São realidades diferentes da dele, mas que o tocam desde muito pequeno. Ele já aprendeu que ajudar dentro do que estiver ao seu alcance é uma forma de transformar o sentimento de tristeza em algo positivo.
Empatia: a virtude para um futuro melhor
Não se muda o mundo sem mudar as pessoas. Para a psicóloga caxiense especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Patrícia Carniel Catani, a prática clínica tem mostrado que a dificuldade no convívio social entre adultos passa pela dificuldade que as pessoas têm de se fazer entender, por conta de barreiras criadas pela falta de escuta ativa e de acolhimento às necessidades do outro. Pelo contato diário com diversas crianças, e também no conhecimento teórico produzido sobre a geração atual, a psicóloga vê com otimismo uma mudança de paradigma comportamental para o futuro:
– Acredito que há uma nova geração de crianças desenvolvendo uma capacidade de olhar mais amoroso, mais genuíno e afetuoso para a necessidade do outro. São crianças questionadoras, observadoras, com sentido de justiça social aguçado e que buscam respostas para um mundo mais humanizado, construído pelo respeito.
A empatia, destaca Patrícia, é uma habilidade inata, que pode ser desenvolvida ao longo da vida. É o que mostram diversos estudos de neurociência, os quais comprovam que também a compaixão, a bondade e o altruísmo se mostram presentes nos cérebros dos bebês. Todos nascemos com essa aptidão socioemocional, que pode ser aprimorada nos contextos em que nos inserimos. E a melhor forma disso ocorrer é pelo exemplo.
– Somos seres que nos desenvolvemos por observação, através do aprendizado por imitação. Nosso cérebro é programado para manifestar a empatia, o que se dá pelos chamados “neurônios espelhos”. São os responsáveis por gravar ações observadas no outro e assim nos permitir espelhar também emoções e sensações apresentadas pelo outro. Isso nos dá, de forma genuína, a capacidade de se colocar no lugar do próximo e assim ativar compaixão e solidariedade. Aprimorar essa habilidade ao longo da vida é imprescindível para construir um mundo mais fraterno, ao mesmo tempo em que melhoramos nossas relações interpessoais, amorosas e profissionais – explica.
Leia também
Banda Linfoma, de Caxias, lança clipe neste sábado
Gramado começa a receber decoração de Natal
A arte não para #18: as palhaçadas da Cia Espicula agora são virtuais
Gilmar Marcílio: os cínicos
Gosta de cinema? Então se liga nesta dica...
Henrique Zattera lança single criado na quarentena