Claudio Troian é um cara inclassificável. Pode colocar o rótulo que quiser. Na próxima esquina já terá descolado. Pensa, ele nasceu em 1952, em uma Porto Alegre um tanto bucólica e pouco cosmopolita. Getúlio Vargas, ainda tentava desvincular-se da carapuça de ditador, e a vitória à presidência na eleição de 1950 parecia ser o álibi perfeito.
Nos Estados Unidos, enquanto o governo encerrava a desocupação às ilhas do Japão, o rock dava suas caras através das fusões entre rhythm and blues, country e western. Um cara que nasce em meio à essa muvuca global, e ainda no mesmo ano em que Elizabeth II tornara-se rainha da Grã-Bretanha, tem de ser um anarquista de primeira linha. Mas como o Troian é um cara inclassificável, esse rótulo cai ao fim do primeiro parágrafo.
Troian é filho de João Benjamin Troian, falecido há 23 anos, filho de imigrantes italianos, nascido nas colônias de Bento Gonçalves, e de Eva Machado, que recém comemorou seus 90 anos, e é natural de Taquara, mas criou-se em Porto Alegre, na chácara de seu pai, Andradino Machado. Vem dessa linhagem materna o primeiro elo com a música, que era tratada como um cultivo para a alma e o espírito.
— Tenho sempre presente os tempos de adolescente quando, a três vozes, cantávamos eu, minha mãe e minha irmã Maria Glaci, entre outros, os sucessos da banda Os Mutantes, tipo 2001 - Astronauta Libertado, cuja letra diz: "Minha vida me ultrapassa em qualquer coisa que eu faça, dou um grito no escuro, sou parceiro do futuro na reluzente galáxia" — revelou o músico e produtor cultural, Claudio Troian, 67 anos, quando do recebimento do Título de Cidadão Caxiense, concedido pela Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, em 6 de novembro.
Essa canção futurista, mezo moda de viola, mezo rock rural com tempero psicodélico, diz muito sobre o inclassificável Troian, na medida em que uma das estrofes diz:
Nos braços de 2000 anos, eu nasci sem ter idade
Sou casado, sou solteiro, sou baiano, estrangeiro
Meu sangue é de gasolina, correndo não tenho mágoa
Meu peito é de sal de fruta, fervendo num copo d'água
A arte é resistência porque ilumina as sombras.
CLAUDIO TROIAN
produtor cultural
Troian está à beira de virar um setentão, mas com alma jovem. Sente-se à vontade vestindo tênis All-Star, terno e gravata. Com a mesma desenvoltura com que participa de um chá com as senhoras da Academia Caxiense de Letras, desfilando seu lado gentleman, a seguir poder cair em uma roda punk, embebecido de rum, ao som de Sex Pistols.
Viver, para Troian, é fruição, como se estivesse em um sarau. Embalado por música e poesia atravessou infância e adolescência rumo à vida adulta nessa vibe. Esse ambiente lhe é tão familiar que, após a entrega do título de Cidadão Caxiense, alguns dos amigos foram para sua casa. Na sala de estar, um sarau atravessou a noite madrugada adentro, com performance, música, literatura em uma atmosfera de alegria e sinergia.
Ouviu dos amigos dedicatórias amorosas e generosas sobre a importância da sua vida na dos outros. Ah, o amor... Troian é o cara que não cabe em rótulos, lembra?
— Rendo, aqui, loas às esposas Kátia Bortolini, Rosmery Scomazzon, Vera Genro… E à minha querida Susi Roveda. Definitivamente, o amor sempre esteve no ar... — revela Troian, que teve um filho com cada uma das duas primeiras esposas, respectivamente, Rodrigo Bortolini e Ananda Scomazzon.
A arte ilumina as sombras
Troian atravessou cursos da história da arte, desde o desabrochar do rock'n'roll, que bifurcou em caminhos entrecruzados dos punks e metaleiros. Mas nada parece ter sido tão incisivo em sua coluna vertebral quanto o movimento hippie.
— O hippie é uma criatura que era globalizada antes dessa coisa ter sido trazida à tona. É um cara universal, desprovido de maldade, disposto à irmandade, disposto até a ficar nu em meio ao outros. Aquela coisa Woodstock, saca?
Troian refere-se a ao festival realizado em 1969. Mais do que um grande palco para bandas de rock, o Woodstock produziu uma onda de paz e amor com reflexos até os nossos dias. A forma como os artistas reagiram é, conforme observa Troian, a resposta necessária para esse atual momento de instabilidade política a que o mundo vem atravessando. E de certa forma, justifica o título de Cidadão Caxiense como uma forma de resistência da arte, principalmente em um período em que os artistas vem sofrendo censuras e toda sorte de sabotagens.
— A política vem se desgastando pelas bandeiras que se apresentam, desde sempre. E as bandeiras estão sendo símbolos de separação. Quem é da bandeira azul odeia os caras da bandeira rosa. Mas a arte nunca teve disso. A arte sofre com o carolismo dos falsos moralistas, de ignorância pétrea. A arte, diferentemente de tudo isso, une. A arte é resistência porque ilumina as sombras.
Ativar pessoas através da arte
Ocorreram desvios de trajetória na história do Troian, mas a correção de rota trouxe um novo significado ao curso da vida. Como se fosse uma ópera, a ligação de Troian com a arte é divida em dois atos, ambos agitato e maestosos, mas, nem por isso, menos dolce e affettuosos.
— O primeiro momento vem do berço. Meu avô era acordeonista e minha mãe cantora, e os saraus na chácara do meu vô, no final de semana, eram cheio de músicos. Aos 12 anos eu já tocava violão e, aos 16, em uma banda de baile. Mas, aos 25, interrompi a carreira de músico por absoluta falência. Então, fui trabalhar em Jornalismo e Publicidade, sempre de forma autodidata.
— Ele fez o meu mapa astral e revelou algo bem interessante. Antes de qualquer outra coisa eu sou músico. De 1972 a 1975 tivemos uma banda de rock progressivo autoral. Imagina, estávamos construindo uma ópera rock baseada no Pequeno Príncipe, em uma tradução gaudéria. Mas aí, eu interrompi a carreira. A partir daí, comecei a produzir outros artistas. E esse meu amigo astrólogo, traduziu assim a minha vida: como eu não tive sucesso na carreira ordinária, natural, que era a de músico, eu passei a canalizar a minha energia para ajudar os outros. Bonito, né?
Um dos exemplos citados por Troian é o início da carreira do escritor caxiense Bruno Atti.
— Eu produzi três livros dele, feitos por aqui, e ele já fez um quarto com uma editora lá de Portugal. Então, eu acho que é isso, é ajudar!
De forma poética e também profética, Troian encerrou o discurso na Câmara de Vereadores com a seguinte sentença, que bem cabe para desfecho desse perfil:
— O amor incondicional pelas pessoas é o farol que ilumina nossas jornadas. Afinal, saibam disso ou não, somos todos filhos da estrelas.
TROIAN, O PRODUTOR, EM NÚMEROS*
- 11 shows
- 3 peças de teatro
- 50 livros
- 16 CDs
- 5 DVDs
- 4 videoclipes
- 5 saraus
- 270 órbitas literárias
- 2 esculturas em bronze em praças públicas
- 3 exposições de artes plásticas
- 2 eventos de artesanato
- 2 documentários
- 10 edições de festivais
* Entre 2005 e 2019.
Leia também:
Confira todas as atrações do MDBF 2019, que começa nesta quinta
FOTOS: negros e negras orgulhosos da sua ancestralidade retratados em um ensaio
Roda gigante, workshops e parada de carnaval: conheça atrações paralelas do MDBF
Fábio Barreto, morto nesta quarta, imortalizou a Serra nas telonas