Nesta terça-feira, dia 29 de outubro, às 21h, ocorre uma sessão histórica no GNC Cinemas, sala 5, em Caxias do Sul. Será exibido O Iluminado, um dos clássicos do cinema de suspense e horror, dirigido por Stanley Kubrick (1928-1999). O filme é um preâmbulo para a estreia de Doutor Sono, previsto para o dia 7 de novembro. Em Doutor Sono, o protagonista, Danny Torrance (Ewan McGregor), revisita os acontecimentos de O Iluminado, 40 anos depois. Para encurtar a história, Danny é o menino do triciclo, que andava pelos corredores do Hotel Overlook, no filme do Kubrick.
Agora vamos aos acontecimentos de O Iluminado. O filme é um tratado sobre a fala que ama. Já explico. Não se trata de romantizar um personagem demente e psicopata. Mas há em Jack Torrance, interpretado pelo brilhante Jack Nicholson, sinais de um cara que viu a vida esvair-se. Intolerância, pequenas e sucessivas frustrações, falta de foco e concentração, são parte desse coquetel que aos poucos passa a ser acrescido por situações sobrenaturais que chegam para flertar e ocupar esse vazio existencial de Jack.
Wendy Torrance (Shelley Duvall) ama Jack e juntos têm um filho, o doce, inteligente e sensível Danny (Danny Lloyd). Sem muitas perspectivas profissionais, Jack resolve aceitar o desafio de isolar-se com a família no Hotel Overlook. O combinado era zelar pelo hotel, mas Jack vai inserir um novo elemento surpresa a esse tempo em família.
O Iluminado é um filme sensorial. Bizarro, também. Mas sobretudo sensorial. Cujo prazer de Kubrick está em deixar o espectador em suspenso a cada sequência de imagens. Horror é prever o final, suspense é conduzir a plateia até o desfecho. O pai desse maniqueísmo cinematográfico é Alfred Hitchcock (1899-1980), que ironicamente morre no ano do lançamento de O Iluminado.
Hitchcock desenvolveu ao longo da carreira um padrão para deixar espectadores em suspenso. Psicose (1960) é uma referência sutil, mas possível, para O Iluminado, na medida em que a casa (em Psicose) e o hotel (no filme de Kubrick) são ambientes muito propícios para fazer brotar a demência, porque há segredos malditos escondidos atrás da porta dos quartos, da mãe do Normam Bates, em Piscose e, do apartamento 237, em O Iluminado.
Conforme avança a narrativa de O Iluminado, percebemos um maior distanciamento entre a família Torrance. Jack passa os dias e noites tentando escrever um romance, enquanto que Wendy, além de cuidar da lida doméstica, tenta sem sucesso aproximar-se do marido, cada minuto mais recluso. Nesse vácuo, Dany passeia pelos longos e silenciosos corredores do grande hotel.
Sozinhos, mesmo morando sob o mesmo tempo, isolados, mesmo sentados na mesma mesa, cada um vai encarando o seu terror particular, que aumenta de intensidade e horror conforme avança a narrativa. Stephen King, o autor da história que serviu de inspiração para o filme, odiou o resultado. Kubrick, na época, rebateu dizendo que sempre escolhe livros ruins para fazer filmes brilhantes.
Em tempos de febre de Coringa nas telas do mundo afora, nada mais justo do que referenciar Stanley Kubrick. O diretor norte-americano, que se estivesse vivo, teria completado 91 anos, sempre tratou de expor na tela grande personagens tratados muitas vezes de forma rasa como desajustados.
O olhar de Jack, em O Iluminado, é o mesmo de Alex (Malcolm McDowell) em Laranja Mecânica (1971), e o mesmo do recruta Pyle (Vincent D'Onofrio) em Nascido para Matar (1987), só para citar outras duas obras de Kubrick. Assim como é o olhar de Coringa (Joaquin Phoenix), triste, distante, apático, que revela-se em mesma medida, grito de clamor (ternura silenciosa) e sonido de ira (agressão física).
Há nesses personagens qualquer coisa que diz ser a falta que ama a rasgar-lhes o peito. Justificam seus feitos terríveis, empilhando mortes por onde passam. Claro que não justifica-se. Mas matar é a metáfora da dor interior, das agressões sucessivas a que foram alvejados (seja com palavras ou com violência física e sexual). Em uma sociedade cada dia mais preocupada com o extermínio dos que são diferentes, em padronizar os inclassificáveis, e amordaçar os inconformados, Kubrick continua a ser essencial.
Há muito para refletir acerca de filmes como O Iluminado. Enxergar o terror é só uma das camadas de leitura da obra de Stanley Kubrick. No centro de toda a sua obra está o ser humano que está a ser abusado de todas as formas possíveis. É demais cobrar empatia, estender a mão ao invés de tocar fogo em mendigos e índios, dar a segunda chance ao invés de assinar a pena de morte?