A mais recente polêmica entre o governo federal e a classe artística pode trazer reflexos para o setor audiovisual da Serra gaúcha. Isso porque o cineasta caxiense André Costantin, conhecido pela série documental Vento Sul (2017), concorria com duas propostas entre as finalistas do edital suspenso após o presidente Jair Bolsonaro criticar a presença de séries com temática LGBT entre as pré-selecionadas.
A medida foi publicada no Diário Oficial da União da última quarta-feira (21), em portaria assinada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra. Segundo o texto, o chamamento ficará suspenso por um prazo de 180 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período.
Uma das propostas de Costantin era a série documental Toca, Brasil!, finalista no bloco temático “manifestações culturais”. A produção, com orçamento total de R$ 1 milhão, seria ancorada em ritmos e vertentes da música brasileira. A segunda proposta, finalista na categoria “sexualidade”, era a série televisiva Retratos & Revelações. O material, orçado em R$ 800 mil, abordaria o complexo universo da sexualidade, passando por questões comportamentais e de gênero, com abrangência nacional.
Se realizadas, as produções gerariam cerca de 30 empregos diretos cada uma, em até dois anos de realização. Procurado pela reportagem para comentar o assunto, Costantin disse estar desanimado frente ao que chamou de “escalada de censura do governo”.
— A suspensão do edital representa um ataque ao que fazemos. Sei que diante de uma Amazônia em chamas, talvez não signifique tanto, mas é um rastilho de pólvora muito grave. Qual será o próximo passo? Quem garante que amanhã ou depois não possam censurar a matéria que você está escrevendo? — questionou o cineasta.
Costantin, que desde 1999 comanda a produtora Transe Filmes, teme que a suspensão do edital impacte na geração de empregos. Segundo dados da Ancine, o setor audiovisual é responsável por mais de 91 mil postos de trabalhos diretos e indiretos no Brasil.
— Eu tenho uma empresa há 20 anos. Nunca dependi de editais públicos para manter o negócio, mas esse cenário traz muito impacto na vida dos produtores audiovisuais. Depois de duas décadas, pode ser que esse ano eu precise fechar — desabafa.
O edital, lançado em março de 2018 pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), com participação da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), tinha como objetivo financiar produções independentes para exibição em emissoras públicas, educativas, comunitárias, universitárias e legislativas.
O chamamento previa um aporte de R$ 70 milhões, dividido igualmente para produções de todas as regiões do Brasil. Foram mais de 600 projetos inscritos e 289 classificados para a fase final, onde os investimentos seriam decididos por uma comissão técnica.
Em resposta à suspensão, o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro expediu ofícios ao Ministério da Cidadania e à Ancine requisitando informações, determinando um prazo de 10 dias para a reposta do governo.
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