Roger Mello é uma daquelas figuras cativantes, de sorriso fácil. Ilustrador com mais de 100 títulos publicados, o ganhador do Prêmio Hans Christian Andersen em 2014, considerado o Nobel da Literatura Infantil, recebeu a reportagem do Sete Dias na tarde deste domingo (23), minutos antes de ministrar a oficina O Traço e a Liberdade no Instituto de Leitura Quindim, onde ocupa a vice-presidência.
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Com 10 prêmios Jabuti na bagagem e exposições em países como Peru, México, Rússia, Itália, Alemanha, China e Japão, o artista de 53 anos não conteve a disposição para rascunhar um panorama sobre a arte de contar histórias pelas imagens, além de dar dicas preciosas na hora de escolher os livros dos pequenos.
Sete Dias: Como você percebe a relação entre imagem e texto na literatura?
Roger Mello: Quem gosta de livro, gosta do objeto livro como um todo, não apenas do conteúdo. E quando falamos em livro ilustrado, falamos de palavra, de narrativa visual e de design. Não por acaso, em quase todos os idiomas, as expressões utilizadas para nomear narrativa verbal são de origem imagética. A palavra texto vem de tecido. Ou seja, não tem como pensar texto e imagem de forma separada. Eu tendo a confundir imagem e palavra, separar não me ajuda a entender.
Ilustradores ainda são menos prestigiados do que escritores em feiras literárias?
Eu percebo que existem duas correntes. Em Bolonha, por exemplo, se supervaloriza a ilustração; já em outras feiras, se valoriza mais o texto escrito. Ao meu ver, nos dois casos existe uma falta de entendimento sobre o objeto livro. De novo: quem gosta de livro, não fica separando texto e imagem. E as duas linguagens não precisam, necessariamente, ser complementares. Em alguns livros, as ilustrações negam o que o texto diz, uma sofisticação de ironia que imagem e palavras não dariam conta separadamente.
Partindo desse raciocínio, como você percebe a ilustração nos livros digitais?
Se o livro transposto para o formato digital for um livro ilustrado, a ilustração não sai do e-book. Tampouco os ilustradores veem o e-book como uma ameaça ou como algo que aniquila a ilustração. Acontece que os e-books, hoje em dia, ainda são cópias frágeis e atrasadas da versão física dos livros. Ainda não se explorou o potencial dos livros digitais.
Uma dúvida recorrente: como escolher os livros para as crianças? São os pais ou os pequenos que devem escolher?
A escolha é um elemento muito importante para a criatividade. Se você tolher a escolha da criança, você está tolhendo o gesto artístico. É importante dar liberdade, mas também mostrar outras possibilidades. Aí entram as estratégias de sedução (risos), até porque não existe uma fórmula correta, todas as crianças são diferentes.
Ainda sobre a infância: há tempos a alfabetização é considerada um direito. Por que a ilustração não é encarada da mesma forma?
Acredito que temos uma sociedade da imagem, mas que ainda é iconofóbica, com trauma da imagem. Reconheço que a palavra é a coisa mais importante que a humanidade já criou. Sou ilustrador e não tenho a menor dúvida disso. Mas a palavra é um artifício, uma criação humana. Já a imagem é dada pela própria natureza. Por isso precisamos das duas! Imagem e palavra atuam em níveis de leitura completamente diferentes.
Diante das tuas premiações, o que a ilustração brasileira tem a ensinar?
Apesar de sermos o país da música e do futebol, nós também somos muito visuais. Em muitas exposições que fiz ao redor do mundo, as pessoas diziam “essas são as cores do Brasil”, porque eu faço tudo colorido, saturado… Mas as cores não são só nossas, são do mundo. E por que não mostrar essas cores? Precisamos contar nossas histórias, apresentar nosso folclore. O Brasil, por ser um país tão contraditório, traz uma estética visual que precisa ser mostrada, que também é forma e conteúdo, que é pele e tripa ao mesmo tempo.