No penúltimo poema de uma antologia do poeta português Al Berto, que pegou emprestado de um amigo, Rafael Iotti deparou com um verso que chamou sua atenção para além da beleza e da sonoridade: “assim guardamos as nuvens”. Circulado a lápis, ao lado do verso o dono do exemplar havia assinalado: “bom título para livro”.
– Foi um título duplamente roubado. Do poeta, peguei o verso. Do amigo, a ideia – diverte-se o caxiense de 26 anos.
Assim Guardamos As Nuvens, que será lançado hoje à noite, surge menos de dois anos após a estreia com Mas É Possível Que Haja Outros (título também emprestado de um poema, esse do cabo-verdiano Daniel Filipe). Nesta nova imersão em seu mundo de melancolia e contemplação do efêmero, Iotti joga ao mundo versos mais densos, mas com a mesma verve espirituosa que chega como que para resgatar o leitor do buraco em que o próprio autor o enfia com suas rimas mais viscerais.
– Não quero me comparar a Fernando Pessoa, mas também dentro de mim há vários poetas dentro de um só. Ao mesmo tempo em que há poemas sérios, que tratam da depressão, há outros que beiram ao juvenil e à piada. Gosto de coisas que podem ser lidas como imaturas. Há um autor polonês, Witold Gombrowicz, que diz que a imaturidade é a forma mais sincera da pessoa existir – cita.
Rodeado pela poesia completa de Carlos Drummond de Andrade (“esse é o meu Vade Mecum, onde eu procuro as minhas leis”) e obras do chileno Nicanor Parra, do francês Arhur Rimbaud e do italiano Cesare Pavese, entre outros volumes espalhados por pilhas bagunçadas, o autor conta que ter se livrado da depressão – que permeia boa parte de seus primeiros escritos – não o tornou menos triste. Porém, fez do sofrimento, inerente à sua alma de poeta, um impulso para criar.
– Descobri que tenho uma frequência de escrita que vem de um ânimo um pouco diferente do ânimo geral. Sou um pouco mais reprimido, mais quieto, e, por consequência, mais triste. Mas não é a tristeza que congela. Essa, já tive. É a que me motiva a escrever, como o lamento do blues. Se estou nessa levada mais melancólica, é só uma sensibilidade mais aguçada. A única coisa que primo em minha arte é ser verdadeiro comigo mesmo e com quem me lê – analisa.
Equilibrando banalidades e profundidades, o poeta que bebe da poesia de todos os tempos, sem jamais deixar de exaltar os versadores da aldeia (“Marco de Menezes é um dos grandes poetas do Brasil”), escreve no poema quem disse que o amor não tem cheiro: “no fundo, escrevo para imitar uma vida inconcebível”. Provocado a ir além, volta os olhos para a sacada, que revela mais um entardecer no bairro Pio X:
– É pelo amor pelas coisas. Do cheiro do fogão a lenha, de ver a nuvem passando no céu. É ver as coisas bonitas, mas sempre com essa coisa melancólica, de se comover porque isso tudo vai acabar. Acho que é por isso que eu fumo. Pra estar fazendo alguma coisa enquanto as pessoas me veem olhando pro céu.
Agende-se
O quê: lançamento de "Assim Guardamos As Nuvens" (Editora 7 Letras, 88 págs.), de Rafael Iotti
Quando: hoje, às 18h
Onde: Livraria Do Arco da Velha (Rua Dr. Montaury, 1570, Caxias do Sul)
Quanto: entrada gratuita (o livro curta R$ 39)