Soropositivos dificilmente tornam sua condição pública. Por medo ou vergonha, evitam contar que têm HIV. Thais Renovatto não. A publicitária paulista, de 35 anos, resolveu abrir o coração e contar sua história em um livro que será lançado em janeiro. Em 5 anos comigo, ela narra como foi ter recebido o diagnóstico, a morte do namorado, o medo do tratamento, o preconceito enfrentado e a decisão de ter filhos – que nasceram saudáveis, sem o vírus.
Neste Dezembro Vermelho, mês de luta contra a Aids, Thais conversou com o Almanaque e contou como é viver com HIV. Acompanhamento adequado e, principalmente, amor, são fundamentais para superar não somente o medo, mas o preconceito que está até mesmo em quem tem o vírus.
– O que a gente pode fazer com aquilo que a gente não pode mudar? Já que aconteceu, como a gente vai lidar é o que vai fazer a diferença – ensina.
Pioneiro: Como e quando você descobriu que tinha o vírus HIV?
Thais Renovatto: Descobri há aproximadamente quatro anos quando namorei com uma pessoa por pouco mais de um ano e meio. Acredito que esse meu ex-namorado não sabia, a gente nunca conversou sobre. Ele teve duas pneumonias, ficou internado e na segunda internação ele foi entubado, piorou bastante e resolveram me contar que ele estava morrendo da Aids mesmo.
E você logo foi fazer o teste?
Eu fiz o teste um dia antes de ele morrer. Fiz o teste rápido, saiu em 15 minutos e, como eu previa, deu HIV positivo. O meu critério para tirar o preservativo foi, na verdade, confiança. Eu já estava namorando há três meses, achei que ia ficar sério e achei suficiente para tirar o preservativo. Nunca me passou pela cabeça pedir uma série de exames para ele. E o que acontece a partir de então? Eu achava que era uma doença de grupos de risco e não de comportamento de risco, então, tudo que passei a buscar, muitos blogs e sites, eram para homossexuais e usuários de drogas. Eu trabalhava numa grande multinacional na época, queria ser mãe, com 30 anos, superjovem, fiquei um pouco perdida justamente por não ter me encontrado em nenhum lugar. Percebi que as pessoas que têm mais o meu perfil se escondem. Eu tinha visto uma reportagem da Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids) que mais de 120 brasileiros se infectam diariamente e é óbvio que não seja possível que todas essas pessoas sejam gays, usuários de drogas e profissionais do sexo. Lógico que tem muitas pessoas com o meu perfil, que talvez o parceiro contaminou. Comecei a perceber que faltava muita informação, que as pessoas são muito preconceituosas, muito maldosas e na contramão de tudo o que me diziam, “não conta para ninguém”, “se esconda”, eu resolvi escrever um livro que conta todo esse período: como foi a morte dele, como foi o início do tratamento.
E como foi começar o tratamento?
Eu tinha muito medo do tratamento, imagina como são os remédios para conter HIV. O meu infectologista dizia que uma vez iniciado o tratamento, tinha que ir até o final, porque o vírus podia pegar alguma resistência e aí poderia acontecer algo pior. Eu tinha muito receio de começar o tratamento pelos efeitos colaterais. Nesse livro eu conto também como foi me relacionar novamente. Conheci uma nova pessoa, hoje meu marido, e ele não tinha. Foi muito difícil contar para ele, a gente jovem, eu estava apaixonada, achei que assim que eu contasse ele iria embora, mas ele ficou e a gente resolveu ter bebês. Hoje temos dois. Os dois são negativos. É uma história superbonita e por isso eu resolvi contar porque faz quatro, cinco anos que isso aconteceu e até hoje não encontro pessoas muito no meu perfil. Acho que as pessoas não se aceitam e mesmo passados 20, 30 anos da época de Cazuza, Renato Russo, ainda as pessoas têm muito receio, muita vergonha.
Você enfrentou muito preconceito?
Dependendo do perfil da pessoa, eu contava de uma maneira. Por exemplo, meus pais são mais antigos e já acharam que eu ia morrer. Para o meu namorado na época, eu levei no meu infectologista para ele ver mais a parte da saúde dele. Nós somos o que se chama de casal sorodiscordante, quando um tem e o outro não, e enquanto eu estiver em tratamento, não transmito. Ele teve de entender isso para a gente seguir. Tive alguns preconceitos, mas depois que me aceitei, foi mais fácil. Quando eu passava por algumas situações, não ficava chateada, mas tive sim. Antes do meu marido, tive um casinho e contei e a pessoa sumiu do mapa. Já fui em festas com amigos que percebi que não queriam dividir o canudo comigo. Várias situações que as pessoas ficam assustadas, mas tentei levar numa boa.
O tratamento te auxilia?
A medicação dá, realmente, vários efeitos colaterais bem pesados. Eu não tive nenhum. Eu tento me alimentar melhor. É óbvio que eu saio, mas bebo bem menos. Eu me trato no particular, mas sei que no público o tratamento é referência. Meu médico me dá receita para 90 dias, eu retiro (no Sistema Único de Saúde) três potes e tomo um medicamento uma vez por dia, à noite, porque dá um pouco de sono. É um medicamento três em um. Ele deixa o vírus meio invisível, é o que me deixa indetectável. Eu me tornei indetectável muito rápido. Assim que comecei o tratamento, em um mês já estava indetectável e assim me mantenho até hoje. Meu médico me explicou que têm pessoas que vão com esse esquema de medicação por 30, 40 anos. Seu corpo se adapta bem....
Como foi a decisão de ter filhos? Teve medos?
Sim. Eu tomava anticoncepcional desde a adolescência. Quando decidi parar de tomar, achei que ia demorar um pouco (para engravidar). Como eu estava indetectável e a gente teve pelos meios normais, quando parei de tomar o anticoncepcional, eu ia começar a conversar com meu médico, entender como seria a gravidez. Comecei a fazer alguns exames e já estava grávida. Ao invés de ficar feliz, fiquei muito preocupada, porque eu sei que tinha alguns esquemas de medicação que prejudicavam a formação do bebê. Meu infectologista e meu obstetra me explicaram todas as possibilidades e eu entendi que, na realidade, você precisa tomar alguns cuidados. Eu tive de continuar tomando minha medicação normalmente, lógico, para me manter indetectável durante toda a gravidez, o parto deveria ser preferencialmente cesárea, porque tem menos contato com o sangue, três horas antes do parto eu tive de tomar medicamento na veia, eu não posso amamentar, então, o próprio governo te dá uma medicação que inibe a lactação e também durante algumas semanas o bebê tem de tomar um xarope para minimizar, porque só o fato de eu estar indetectável o risco é muito baixo de eu passar. Esses processos são para o risco ser zero. Eu tenho um de um ano e cinco meses e uma bebê de cinco meses e nenhum dos dois têm, são negativos. É o João e a Olívia.
Qual conselho você dá na hora de contar que tem HIV?
Eu diria que as pessoas se aceitem. Você precisa acompanhar como acompanha um diabetes, uma pressão alta. É uma doença que você precisa acompanhar para o resto da vida como outras. O que muda é o estigma que isso traz e isso vem de anos anteriores. Quando você se aceita e repassa isso de uma maneira quase didática, você acaba quebrando qualquer preconceito. Às vezes, o preconceito está na gente mesmo. Quando a gente explica, todo mundo começa a entender. O conselho que eu daria é que as pessoas se aceitem, porque o que a gente pode fazer com aquilo que a gente não pode mudar? Já que aconteceu, como a gente vai lidar é o que vai fazer a diferença. Que as pessoas contem quando se sentirem confortáveis, para pessoas em quem elas têm confiança para se rodearem de amor e de apoio porque aí fica bem mais fácil seguir.
SERVIÇO
O livro será lançado no dia 10 de janeiro, em São Paulo, mas já está em pré-venda AQUI.