Para quem é intolerante ao glúten, atividades corriqueiras podem se tornar desafiadoras. Até a comunhão, durante a missa, não é tarefa simples. Isso porque a hóstia é fabricada com água e farinha, item proibido na alimentação dos intolerantes. Pensando nisso, alguns fiéis têm importado hóstias sem glúten ou feito a comunhão apenas com o vinho. Graças a isso, a Diocese de Caxias do Sul passou a enxergar esse público.
– É a segunda vez que este assunto ressurge, então vou me interessar para ver se podemos importar estas hóstias sem glúten e deixar disponíveis no Carmelo. Assim, as paróquias que tenham pessoas com este problema alimentar podem buscá-las normalmente – compromete-se o bispo Dom Alessandro Ruffinoni.
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Para ele, esse é um "problema paroquial", que precisa ser resolvido com brevidade para evitar que fiéis como a relações públicas Priscila Palavro seja impedida de comungar.
– Eu vou para a missa e acabo não comungando. Nosso maior problema é em restaurantes, porque tudo está contaminado com algo que foi preparado e tem glúten. Confraternizar, no geral, é muito difícil – relata ela, integrante da associação Celíacos da Serra Gaúcha.
Em Caxias, são produzidas 10 mil hóstias por dia pelas Carmelitas Descalças do Carmelo Santa Teresa. Elas já foram procuradas por um grupo de celíacos da cidade que gostaria de viabilizar a confecção do alimento sagrado sem glúten.
– Nós precisaríamos de uma sala e uma máquina só pra isso. E a máquina custa em torno de R$ 54 mil. Para nós, é impossível – afirma irmã Teresa de Jesus, madre superiora do Carmelo.
Por que pode fazer mal
O glúten é a principal proteína presente no trigo, aveia, centeio, cevada e no malte. A reação ao alimento pode se caracterizar de muitas maneiras, sendo a mais tradicional a diarreia crônica, por mais de 30 dias, com dor de barriga, inchaço, perda de apetite, desnutrição, vômitos, emagrecimento ou atraso no crescimento. Em outros casos, pode se manifestar com dermatites, feridas ou bolinhas na pele.
– A quantidade de glúten é infinitamente menor do que se pensa para acontecer qualquer reação. E não é só a presença do glúten, se usar o mesmo utensílio doméstico – define o gastroenterologista Iverson Weber.
Não existe tratamento para a doença. O indicado é seguir uma dieta sem glúten contínua. Engana-se quem pensa que é capricho do celíaco evitar o contato com o glúten da hóstia:
– É claro que ela pode contaminar o celíaco. A saída seria fazer de farinha de arroz – explica.
Importadas de Portugal
O burburinho gerado após o Frei Jaime Bettega servir uma hóstia em uma fila individual para uma fiel foi logo explicado em missa recente. Quem estava lá não sabia que a bancária Michele Andreis de Oliveira, 34 anos, não podia receber uma hóstia normal.
– Devemos nos antecipar para responder a essa lacuna. Não existe problema em comungar sozinho. É uma atitude que mostra interesse do fiel, que demonstra que não está acomodado dirante da situação – pondera o Frei.
Depois da missa, Michele foi procurada por outros fiéis com o mesmo problema. Isso porque ela recebe, a cada três meses, via correio, uma caixa com 50 partículas importadas de Portugal. Por meio de amigos celíacos, recebeu as instruções para obter este material: bastava contatar o Instituto Monsenhor Airosa, que o envio seria gratuito.
– Sempre frequentei a igreja e fiquei uns seis meses sem comungar. Depois que descobri este serviço, ficou mais fácil. Muitas pessoas me procuram. Uma noiva ficou sem comungar no próprio casamento por ser celíaca. As pessoas não podem ter constrangimento. É possível, sim, ter acesso a esta hóstia – incentiva Michele.
Situação semelhante foi enfrentada pela auxiliar administrativa Juliana Vieceli, 29. O diagnóstico de intolerância surgiu em 2014, depois de diversas internações com sintomas intestinais graves. A saída inicial para a jovem foi comungar somente com o vinho. Depois, ao descobrir o envio das hóstias sem glúten, encontrou espaço para comungar na Paróquia Santa Catarina. Na prática, ela deixa a partícula com o padre, que consagra junto com o restante das hóstias. Depois, ela leva à boca com as próprias mãos, para não ter perigo de contaminação de glúten.
– No Canadá é bastante normal ter uma fila para celíacos. Aqui é diferente, as pessoas não encontram naturalidade na doença celíaca. O padre precisou explicar aos demais porque eu subia no altar, para evitar comentários – explica Juliana, que se tornou Ministra da Eucaristia.
Sem glúten, mas com farinha
É preciso atenção para as definições de hóstia sem glúten, já que uma orientação de 2003, emitida pelo então Papa Bento XVI, diz que 'hóstia completamente sem glúten é matéria inválida para eucaristia'. Isto porque, segundo ele, as hóstias precisam "de uma quantidade de glúten suficiente para obter a panificação, sem acréscimo de substâncias estranhas e sem recorrer a procedimentos tais que desnaturem o pão". A orientação, segundo a circular, é de que o fiel que está impedido de provar da hóstia somente tome o vinho consagrado. Ainda assim, há cuidados especiais.
– O fiel deve ter um cálice específico, porque para não ser contaminado, não deve ter sido tocado pelo padre que já colocou a mão na hóstia com glúten. Sei que há padres que já fazem isso – atesta o bispo Dom Alessandro Ruffinoni.
As hóstias vendidas em Londrina, por exemplo, são fabricadas pelo convento das irmãs Filhas de São José. A produção ocorre no convento de Buenos Aires, e dali é distribuído para diversas cidades brasileiras e argentinas. A composição destas hóstias contém 0,014% de trigo, e não causa reações aos alérgicos, segundo a irmã Maria José.
– E é a forma como este trigo é trabalhado, com uma farinha preparada sem glúten, que garante que não causará reação aos celíacos – garante a religiosa.
Como fazer
:: A orientação do bispo Diocesano Dom Alessandro Ruffinoni é que o celíaco deve conversar diretamente com o pároco da comunidade que pertence para encontrar uma saída.
::É possível comungar somente com vinho, em um cálice específico, que não tenha contato com a hóstia convencional.
:: Também há opção de compra. O contato dos conventos que produzem são: em São Paulo, o contato é irmã Zenaide pelo telefone (11) 3106.4069 e Londrina (43) 3325.5368 com a Irmã Beralda.
::Celíacos podem enviar um email para secretaria@imairosa.pt com dados como nome, telefone e endereço, e manifestar o interesse em receber as hóstias sem glúten. Não há custo, mas é possível contribuir espontaneamente via depósito bancário