A polêmica envolvendo o machismo na reta final do MasterChef Profissionais ou o discurso emocionante da Madonna (leia abaixo) ao receber o prêmio de mulher do ano da revista Billboard foram assunto nas redes sociais durante a semana. O que ambos têm em comum: eles expõem a desigualdade entre homens e mulheres, independentemente de quem elas forem – até as mais improváveis, como a poderosa diva do pop. Paralelamente, o Instituto Avon/Locomotiva divulgou uma pesquisa intitulada "O Papel do Homem na Desconstrução do Machismo", realizada entre setembro e novembro, retratando o desconhecimento enraizado sobre práticas cotidianas.
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O objetivo do estudo foi colocar o assunto em pauta, com a convicção de que falando sobre ele será possível combatê-lo e desconstruí-lo. "O machismo alimenta a desigualdade e perpetua a violência contra a mulher. Mas cabe apenas às mulheres desconstruir essa cultura? Se todos nascemos, crescemos e vivemos imersos nela, não seríamos todos responsáveis por acabar com ela? E os homens, de que forma podem contribuir nesse processo?" diz o relatório.
As constatações são tristes, mas curiosas: só 24% dos brasileiros consideram-se machistas e, em vez de se comemorar os 76% que não o são, percebe-se que eles desconhecem a própria afirmação. Em junho deste ano, quando o Pioneiro publicou matéria sobre feminismo, a repórter Siliane Vieira foi às escolas Santa Catarina e Madre Imilda, em Caxias do Sul, para ter a percepção de adolescentes sobre o tema, e a respostas ilustram como o machismo está arraigado na sociedade, inclusive nas gerações mais novas: "O feminismo hoje prega o ódio, e oprime a mulher que não se enquadrar no padrão", diz um. "É quando a mulher quer ser maior que o homem sem fazer nada. Feministas são um bando de filhinhas de papai", diz outro.
O rapper Mano Brown, entrevistado pela revista Trip, confessa que sim, é machista. Mas é uma exceção.
Embora 88% admitam que existe desigualdade entre gênero, 87% que parte da população é machista e 84% acreditem que todos devem lutar por um mundo menos machista, 21% não acham machismo negativo.
Maioria das pessoas reconhece e rejeita a desigualdade entre homens e mulheres...
:: Mulheres negras sofrem ainda mais preconceito do que mulheres brancas: 89%
:: Homens e mulheres devem ser igualmente responsáveis pelos cuidados com a casa e os filhos: 67%
:: Todas as mulheres devem ser respeitadas, não importando sua aparência ou seu comportamento: 59%
:: As mulheres devem conhecer seus direitos e ser incentivadas a lutar por eles: 78%
:: Acham que existe desigualdade entre homens e mulheres na nossa sociedade: 88%
Mas, na prática, grande parte ainda tolera costumes e situações de violência contra a mulher:
:: Acreditam que, em alguns casos, a mulher também pode ter culpa por ter sido estuprada: 27%
:: Não interferem em briga de casal ou interferem apenas se envolver algum tipo de violência extrema: 78%
:: Consideram que a mulher que se deixou fotografar também tem culpa quando um homem compartilha suas imagens íntimas sem autorização: 61%
O machismo é visto como negativo, mas tem defensores
:: É negativo: 79%
:: Nem positivo, nem negativo: 13%
:: É positivo: 8%
:: Acreditam que todos deveriam lutar por um mundo menos machista: 84%
:: Consideram que ao menos parte da população é machista: 87%
:: Mas apenas se consideram machistas: 24%
:: Maioria da população conhece ao menos um pouco sobre machismo: 62%
:: Conhecem só de ouvir falar ou nunca ouviram falar sobre machismo: 38%
:: Conhecem muito ou um pouco sobre machismo: 8%
Maioria acredita que homens também podem ser feministas
:: Acreditam que homens podem ser feministas: 63%55% dos homens e 69% das mulheres acreditam que um homem também pode ser feminista
:: 6 em 10 cada acham que poderiam melhorar sua postura em relação às mulheres
Você é feminista?
:: Mulheres: 55%
:: Homens: 20%
*31% dos homens dizem que gostariam de não ser machistas, mas não sabem como agir
O discurso de Madonna
"Estou aqui em frente a vocês como um capacho. Quer dizer, como uma artista feminina. Obrigada por reconhecerem minha habilidade de dar continuidade à minha carreira por 34 anos diante do sexismo e da misoginia gritante, e do bullying e abuso constante.
As pessoas estavam morrendo de AIDS em todos os lugares. Não era seguro ser gay, não era legal ser associada à comunidade gay. Era 1979 e Nova York era um lugar muito assustador. No meu primeiro ano [na cidade] eu fiquei sob a mira de uma arma de fogo, fui estuprada num terraço com uma faca na minha garganta e tive meu apartamento invadido e roubado tantas vezes que parei de trancar as portas. Com o passar do tempo, perdi para a AIDS ou para as drogas ou para as armas quase todos os amigos que tinha. Como vocês podem imaginar, todos esses acontecimentos inesperados não apenas me ajudaram a me tornar a mulher ousada que está aqui, mas também me lembraram que sou vulnerável, e que na vida não há segurança verdadeira exceto sua autoconfiança.
Eu me inspirei, é claro, em Debbie Harry e Chrissie Hynde e Aretha Franklin, mas meu muso verdadeiro era David Bowie. Ele personificava o espírito masculino e feminino e isso me agradava. Ele me fez pensar que não havia regras. Mas eu estava errada. Não há regras se você é um garoto. Há regras se você é uma garota. Se você é uma garota, você tem que jogar o jogo. Você tem permissão para ser bonita, fofa e sexy. Mas não pareça muito esperta. Não aja como você tivesse uma opinião que vá contra o status quo. Você pode ser objetificada pelos homens e pode se vestir como uma prostituta, mas não assuma e se orgulhe da vadia em você. E não, eu repito, não compartilhe suas próprias fantasias sexuais com o mundo. Seja o que homens querem que você seja, e mais importante, seja alguém com quem as mulheres se sintam confortáveis por você estar perto de outros homens. E por fim, não envelheça. Porque envelhecer é um pecado. Você vai ser criticada e humilhada e definitivamente não tocará nas rádios.
Eventualmente fui deixada em paz porque me casei com Sean Penn e estava fora do mercado. Por um tempo eu não fui considerada uma ameaça. Anos depois, divorciada e solteira, fiz meu álbum 'Erotica' e meu livro 'Sex' foi lançado. Eu me lembro de ser a manchete de cada jornal e revista. Tudo que lia sobre mim era ruim. Eu era chamada de vagabunda e de bruxa. Uma das manchetes me comparava ao demônio. Eu disse 'Espera aí, o Prince não está correndo por aí usando meia-calça, salto alto, batom e mostrando a bunda?' Sim, ele estava. Mas ele era um homem. Essa foi a primeira vez que eu realmente entendi que mulheres não têm a mesma liberdade dos homens.
Eu me lembro de desejar ter uma mulher para me apoiar. Camille Paglia, a famosa escritora feminista, disse que eu fiz as mulheres retrocederem ao me objetificar sexualmente. Então eu pensei, 'Se você é uma feminista, você não tem sexualidade, você a nega'. E eu disse 'Dane-se. Eu sou um tipo diferente de feminista. Sou uma feminista má'.
Eu acho que a coisa mais controversa que eu já fiz foi ficar aqui. Michael se foi. Tupac se foi. Prince se foi. Whitney se foi. Amy Winehouse se foi. David Bowie se foi. Mas eu continuo aqui. Eu sou uma das sortudas e todo dia eu agradeço por isso. O que eu gostaria de dizer para todas as mulheres que estão aqui hoje é: Mulheres têm sido oprimidas por tanto tempo que elas acreditam no que os homens falam sobre elas. Elas acreditam que elas precisam apoiar um homem. E há alguns homens bons e dignos de serem apoiados, mas não por serem homens, mas porque eles valem a pena. Como mulheres, nós temos que começar a apreciar nosso próprio mérito. Procurem mulheres fortes para que sejam amigas, para que sejam aliadas, para aprender com elas, para as inspirem, apoiem e instruam.
Estou aqui mais porque quero agradecer do que para receber esse prêmio. Agradecer não apenas a todas as mulheres que me amaram e me apoiaram ao longo do caminho; vocês não têm ideia de quanto o apoio de vocês significa. Mas para aqueles que duvidam e para todos que me disseram que eu não poderia, que eu não iria e que eu não deveria, sua resistência me fez mais forte, me fez insistir ainda mais, me fez a lutadora que sou hoje. Me fez a mulher que sou hoje. Então, obrigada."
Na mira
Pesquisa mostra que a maioria dos homens não sabe o que é machismo
Estudo teve como objetivo colocar o assunto em pauta, com a convicção de que falando sobre ele será possível combatê-lo e desconstruí-lo
Tríssia Ordovás Sartori
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