Quem convive com a psoríase sabe: apesar de ela não ser transmissível – fato destacado por uma resolução da Organização Mundial de Saúde (OMS) aprovada em 2014 –, ainda há muito preconceito frente às manchas avermelhadas e com escamas características da doença. De comentários maldosos à recusa a deixar experimentar roupas em algumas lojas, são muitas as situações constrangedoras pelas quais pode passar a pessoa afetada.
– Uma vez, fui a uma festa na qual tinha piscina. Todos estavam com trajes de banho e quando eu cheguei de short e fiquei apenas na borda, a maioria das pessoas que estava na piscina saiu – conta Michele Nóbrega, paraibana radicada em Manaus e que, há dois meses, inaugurou um canal no YouTube para falar sobre o assunto, o Michele Compartilha.
A ideia de criar o canal surgiu porque várias pessoas a procuravam pelo Instagram para falar a respeito da doença. Uma delas pediu que fizesse um vídeo falando sobre como enfrentava a doença de forma positiva, para um trabalho acadêmico, e Michele percebeu que, dessa forma, poderia ajudar outros que, como ela, sofrem com o preconceito. De forma leve e irreverente, os vídeos abordam desde o que é a psoríase até cuidados de beleza. Situações de desrespeito e discriminação também são relatadas – e, no dia a dia, elas infelizmente são muitas.
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Embora já tenha precisado suportar até mesmo a "dica" de um desconhecido para usar sabonete de sarna animal, Michele não perde o bom humor.
– Depois de muito sofrer e me privar de viver normalmente na sociedade, eu encaro com mais naturalidade. Não é fácil, mas entendi e aprendi que se nós, portadores de psoríase, encararmos a vida com menos medo do julgamento pela aparência e mais cuidado com a saúde, e acima de tudo conhecimento a respeito do que esta acontecendo com o nosso corpo, fica mais fácil reagir a uma situação desagradável – ensina, com a experiência de quem convive com o problema há 18 anos.
Há várias formas de psoríase, e ela pode se manifestar de forma mais leve ou mais agressiva. No caso de uma fisioterapeuta de Flores da Cunha – que prefere não ter seu nome divulgado –, joelhos e cotovelos, duas das áreas costumeiramente atingidas, foram poupados. Tudo começou há cerca de quatro anos, quando ela percebeu uma pequena mancha na nuca.
– Inicialmente pensei que era dermatite. Depois, a mancha cresceu e atingiu todo o couro cabeludo – relembra.
Nos primeiros tempos, não conseguia amarrar o cabelo, mas hoje esse incômodo desapareceu, graças ao tratamento com cápsulas de vitamina D receitado pelo dermatologista e aos produtos especiais usados para lavar o cabelo. As feridas também não aparecem, e por isso não costuma enfrentar tantas situações constrangedoras. No máximo, as cascas brancas que caem na roupa preta e a pergunta de por que coça tanto a cabeça.
– As pessoas dizem, "para de coçar", mas é automático – conta, acrescentando que quando está estressada, a coceira aumenta.
Causas desconhecidas
Crônica, inflamatória, cíclica (com sintomas que desaparecem e reaparecem periodicamente) e sem cura, a psoríase é uma doença relativamente comum. Não há dados exatos, mas as diversas estimativas dão conta de que ela atinge de 2% a 5% da população mundial. No Brasil, seriam 2 milhões de pessoas. As causas do problema permanecem desconhecidas, embora, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), elas possam estar relacionadas ao sistema imunológico, à suscetibilidade genética e às interações como o meio ambiente.
– Não se sabe o gatilho, mas podem ser fatores de estresse, assim como fatores autoimunes – explica a dermatologista caxiense Fernanda Fachinello.
O que se sabe ao certo, acrescenta a médica, é que a predisposição genética pode influenciar – de 30% a 40% dos pacientes têm histórico familiar da doença, conforme dados da SBD. Fernanda ressalta ainda que o fumo, o álcool e alterações de diabetes e triglicerídeos podem ser fatores agravantes.
Os sintomas variam de paciente para paciente e de acordo com o tipo de psoríase; os mais comuns são manchas vermelhas com escamas secas esbranquiçadas, pele ressecada e rachada, coceira, queimação e até dor, unhas grossas ou sulcadas e inchaço nas articulações (no caso de artrite psoriática). A doença manifesta-se principalmente nos joelhos, nos cotovelos e no couro cabeludo, mas pode atingir todas as partes do corpo, como braços, pernas, costas e até mesmo a boca e as genitais.
Sol bem-vindo
Embora não tenha cura, a psoríase tem tratamento e os sintomas podem ser minimizados. Por isso, é importante a pessoa afetada procurar um dermatologista para identificar o tipo do problema e o tratamento mais adequado – que pode ser com medicamentos orais, tópicos ou injetáveis (esses, mais recentes, são indicados apenas para casos graves da doença). Outra opção é o tratamento fototerápico, feito no consultório do dermatologista em cabines de UVA semelhantes às de bronzeamento artificial.
Sobre o verão que se aproxima, a dermatologista Fernanda dá a dica:
– Com o sol, normalmente melhora (a pele afetada).
No site da SBD, aliás, a exposição diária ao sol é listada como um dos fatores que auxiliam no desaparecimento dos sintomas nos casos leves de psoríase, somada à hidratação da pele e a medicamentos tópicos aplicados nas lesões.
Não há definições sobre se a água do mar faz bem ou não, no entanto, pelo fato de os banhos de mar normalmente estarem associados com o sol, os relatos são positivos. Também não há alimentos proibidos, porém vale lembrar que a obesidade e o consumo de bebidas alcoólicas podem ser fatores agravantes (o excesso de peso influiria principalmente na psoríase invertida, que afeta a parte interna dos joelhos e as dobras do corpo). Michele prefere manter uma dieta saudável para tentar equilibrar o sistema imunológico.
– Tenho observado uma relação direta entre a ausência de glúten e açúcar e a redução das inflamações – relata a criadora do canal temático. – Uso sempre filtro solar e hidratante à base de ureia, que ajuda a diminuir a coceira, e para dias de irritação nas lesões, água termal para acalmar de imediato.
Vocês sabia?
* No dia 29 de outubro foi celebrado o Dia Mundial da Psoríase, data criada com o intuito de informar sobre a doença.
* No Facebook, há diversos grupos sobre a doença, a maioria fechados; nessa mesma rede, vale conferir a página Psoríase Brasil, recheada de informações sobre o tema.
Saiba mais:
* A psoríase não é contagiosa e o contato com os pacientes não precisa ser evitado
* Nos casos moderados, a pessoa pode sentir apenas um desconforto; nos mais graves, a psoríase pode ser até mesmo dolorosa
* Entre os fatores que podem piorar o quadro da doença incluem-se histórico familiar, estresse, obesidade, tempo frio, consumo de bebidas alcoólicas e tabagismo
* Os ciclos duram de algumas semanas a meses
* Não há como prevenir a psoríase, mas quem tem casos na família deve redobrar a atenção aos sintomas e procurar o dermatologista assim que detectar algum sinal
Tipos de psoríase:
* Em placas ou vulgar: a mais comum, forma placas secas, avermelhadas e com escamas, que coçam e às vezes doem; pode afetar todo o corpo e, em casos mais graves, fazer a pele rachar e sangrar ao redor das articulações
* Ungueal: afeta dedos (das mãos e dos pés) e unhas; as unhas podem crescer de forma irregular, engrossar, escamar, perder a cor e até esfarelar
* Do couro cabeludo: provoca áreas avermelhadas com escamas espeças e semelhantes à caspa, que aparecem principalmente depois de coçar
* Gutata: pequenas feridas em forma de gota nos braços, pernas, tronco e couro cabeludo, cobertas por uma escama fina diferente das típicas da psoríase; mais frequente em crianças e jovens, ocorre geralmente após infecções bacterianas, como as de garganta
* Invertida: afeta em especial axilas, virilhas, sob os seios e ao redor das genitais, entre outras áreas úmidas, com manchas vermelhas inflamadas
* Pustulosa: forma rara, desenvolve-se rapidamente e apresenta bolhas cheias de pus horas depois de a pele avermelhar; essas bolhas, que podem ocorrer em todas as partes do corpo ou nas mãos, pés e dedos (psoríase palmo-plantar), secam em poucos dias, mas podem reaparecer; também pode ser acompanhada de febre, calafrios, coceira intensa e fadigaz
* Eritodérmica: tipo menos comuns, causa manchas vermelhas em todo o corpo, com coceira ou ardência intensa; pode ser desencadeada por queimaduras graves, infecções, outro tipo de psoríase mal controlada ou até mesmo uso ou retirada abrupta de corticosteróides
* Artropática / artrite psoriática: paralelamente às inflamações na pele, causa dor forte nas articulações e pode causar rigidez progressiva
Fonte: site da Sociedade Brasileira de Dermatologia
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Maristela Scheuer Deves
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