Ampliar a descentralização da cultura, definir como será feita a ocupação do complexo da Maesa e discutir o rumo da Feira do Livro estão entre os principais desafios do prefeito que assumirá o comando de Caxias do Sul a partir de janeiro. Tarefa que se torna ainda mais complexa diante da escassez de recursos que atinge o país em todas as esferas administrativas.
Porém, apesar de garantirem que manterão a área com status de secretaria, tanto Daniel Guerra (PRB) quanto Edson Néspolo (PDT) prometem passar um pente-fino nas finanças da cultura. Enquanto o pedetista fala em "revisar e planejar bem todos os investimentos", o republicano menciona "um corte de 60% a 50% nos CCs (cargos em comissão)".
Dados disponíveis no Portal da Transparência do município indicam que a secretaria contava, em setembro, com 15 CCs, distribuídos entre dois diretores-gerais, um coordenador de governo, cinco coordenadores, três auxiliares de gabinete e três assessores técnicos, além da titular da pasta.
Confira a seguir as ideias dos prefeituráveis. Guerra respondeu pessoalmente, enquanto Néspolo enviou as respostas por e-mail, via assessoria de imprensa.
Pioneiro: Que peso a cultura terá em seu governo?
Daniel Guerra: Um peso importante, tanto que continuará sendo secretaria. É uma conquista da comunidade, principalmente da comunidade cultural. Não admitiremos qualquer tipo de retrocesso. Precisamos, sim, fortalecê-la e democratizá-la e resgatar o que Caxias foi no passado em termos de cultura. Caxias era uma fábrica de cultura.
Edson Néspolo: A Secretaria da Cultura não será extinta, quero deixar isso bem claro. Minha formação é a de professor, portanto tenho plena consciência da importância que a educação e a cultura têm na formação do caráter de um indivíduo. Como professor, aprendi que ensinamos muito mais com exemplos do que com palavras. Se meu exemplo de vida não condizer com meus atos, então terei sido vítima da incoerência, e incoerência eu não admito. Tenho dois bons exemplos para explicar isso: tive a oportunidade de ser diretor de duas escolas com realidades muito diferentes, uma no bairro São Vicente, à época muito carente, e outra no colégio particular Dante Alighieri. Na primeira, escavamos um porão para adequar um espaço para a leitura dos alunos, uma biblioteca adaptada para que todos pudessem ter acesso à leitura. Na Dante, talvez a parte mais bonita da escola fosse a biblioteca, que ficava no sótão e que acabou se tornando referência na cidade. São dois exemplos que caracterizam minha personalidade diante da valorização do livro e da cultura. Nesse sentido, a cultura faz parte da minha vida assim como fará do meu governo.
De zero a 10, que nota o senhor dá para a cultura em Caxias hoje?
Guerra: Uns 5, com muito esforço.
Néspolo: Nota 7, pois entendo que sempre precisamos fazer mais.
Que outra cidade, na sua opinião, é modelo de cultura e por quê?
Guerra: Se puxarmos a questão das artes cênicas, temos algumas cidades que serão referências. Se for na questão da música... Temos sim referências, bons projetos que ocorreram em cidades, que provaram ser eficientes na produção da cultura local.
Néspolo: São Paulo, pela permanente ebulição cultural e pela diversidade de suas manifestações artísticas.
Em 2008, a cidade foi escolhida Capital Brasileira da Cultura. O que o senhor considera bom e o que pode melhorar na cultura de Caxias?
Guerra: Eu avalio como os próprios produtores locais avaliam. A gente vê um desânimo deles, que eles foram de certa forma abandonados, deixados de lado. Eles não têm espaço, não conseguem ser ouvidos. Nós temos uma diversidade na questão cultural da cidade que ainda vive no anonimato, em pequenas oficinas onde o poder público parece ter esquecido dessas pessoas. Muito me preocupa porque a gente vê que a administração atual rotulou as pessoas por terem opções ideológicas diferentes da atual e ignorou essas pessoas. Nós vamos resgatar quem já fomentou e produziu muita cultura local. O que temos de bom vamos potencializar. A cultura precisa de oxigenação.
Néspolo: Caxias tem uma cultura fortíssima, que equilibra muito bem a tradição e a manutenção de suas raízes históricas com projetos de vanguarda. Temos artistas de renome internacional, sejam eles ligados à música, ao teatro, às artes plásticas, à dança, muitos deles incentivados e fomentados por projetos públicos. Imagino que a gente sempre possa avançar, e fazer jus permanentemente ao título de Capital Brasileira da Cultura conquistado em 2008 ampliando o diálogo com a comunidade e a iniciativa privada.
Como levar a cultura aos bairros, por meio da descentralização?
Guerra: Essa palavra descentralização vai estar em praticamente todas as secretarias. A cultura, acima de tudo, precisa estar descentralizada. Quando tu produzes a cultura local, por exemplo, para uma vila carente do município, a cultura tem uma forma de se expressar. Então tu tens que descentralizar porque aí tu atinges em cheio as bases. Quero crer que como nós vamos ter pessoas apaixonadas pela cultura, especialistas na cultura, elas é quem, junto com as comunidades, vão ter a liberdade de formatar qual a melhor ferramenta. Nossa Caxias é multifacetada. Ela tem realidades muito gritantes, e é o que torna Caxias essa grandeza. Cultura não se faz num pacote industrial, em série.
Néspolo: Nos últimos anos Caxias avançou muito em relação à descentralização da cultura. Exemplos recentes disso são o Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho e a revitalização da Estação Férrea e seu entorno, que antes era uma área completamente degradada e hoje se tornou um ambiente cultural. Vejo a descentralização de forma muito positiva, e uma das maneiras de se ampliar ainda mais esse alcance é estreitar o diálogo com a Associação de Moradores de Bairros, a UAB e as demais associações e entidades.
Como o senhor pretende dar andamento à ocupação do complexo da Maesa?
Guerra: Aquele espaço é um local sagrado pelo que representa para Caxias do Sul. Imagino como algo vivo, pulsante. Aquela coisa cheia de vibração, de vida, multiuso, um centro cultural, algo que a cidade de Caxias do Sul possa apresentar aos visitantes. Olha o efeito que faz de bem para Porto Alegre o Mercado Público, por exemplo. Ou outra cidade, se olharmos São Paulo, pelo amor de Deus! Concomitantemente música, teatro... Eu imagino a Maesa assim. Precisa construir um edital junto com todas as entidades, com várias secretarias de governo, para que cada qual apresente uma ideia. Antes de editar, colocar esse projeto em aprovação com a comunidade. Não vou autorizar que soltem qualquer edital sem que eu tenha convicção de que a população esgotou a discussão, com a convicção de que a maioria da cidade consegue visualizar aquele formato adequado, com mercado público, com espaço para cultura e também para outras questões que são importantes, como a nossa polícia municipal e algumas secretarias ligadas à questão cultural ou de lazer que hoje pagam aluguéis. As parcerias público-privadas são importantes, mas precisam ter todo um cuidado de que realmente o maior beneficiado seja o cidadão.
Néspolo: A descentalização da cultura passa, sem dúvida nenhuma, pela ocupação da Maesa. Defendo com unhas e dentes um grande espaço cultural na Maesa. Sonho com isso, sonho em termos de volta um mercado público, com áreas de exposição de arte, shows, gastronomia, como vemos nos grandes mercados do mundo. Vamos trabalhar muito para tornar a Maesa um centro cultural de referência nacional, e para tanto será fundamental projetos de parceria público-privada. Trabalhar essa parceria vai viabilizar uma ocupação harmoniosa.
A Feira do Livro deve permanecer na Praça das Feiras ou voltar para a Praça Dante?
Guerra: A Praça (Dante Alighieri) é uma referência. Se tu olhares que a Feira do Livro tem a capacidade de atingir o público que está passando, então nós temos um ponto forte para considerar no Centro. Se tu ponderar a questão do transporte coletivo, onde nós temos mais de 60 linhas que passam ali (no Centro), mais de 100 mil pessoas, isso é um dado racional. Então pesa positivamente para ser ali também (no Centro). Mas quem vai definir se é na Praça Dante ou na Praça das Feiras é, primeiramente, quem faz a feira, que são os livreiros, os produtores locais. Que feira queremos para Caxias do Sul? É essa a pergunta que vou fazer para o secretário e eu quero que ele faça para a comunidade. É a feira do vale tudo? Vamos pôr food truck, vamos pôr tudo ao mesmo tempo, ou é a Feira do Livro, que valoriza a leitura, a arte, a interação com apresentações, com sessões de autógrafos?
Néspolo: No caso deste ano, acredito que nem a prefeitura esteve totalmente certa, nem os livreiros que boicotaram a Feira. Acho lamentável que tenha ocorrido isso. Tenho muita tranquilidade de falar sobre esse assunto, e tenho certeza de que o local da próxima Feira do Livro deva ser tema de debate, onde irão participar livreiros, poder público, Conselho Municipal de Cultura, ex-patronos, ex-homenageados. Vamos criar um colegiado pra fazer o debate sobre o melhor local muito abertamente, e isso já no início de janeiro. Se tiver de voltar para a Dante, irá voltar.
Como viabilizar a produção cultural em tempos de redução de investimentos?
Guerra: Caxias do Sul, nitidamente, tem recursos. Ela só é mal gerida, mal administrada. A economia é cíclica. Mundialmente. Quantas vezes já estivemos em momentos de crise no país e saímos. O que falta é percepção de que quando tu estás com as vacas gordas tu não pode gastar, torrar, queimar, fritar. Tu tem que guardar. Investir, mas com prudência. A cultura vai ter um corte de 60%, 50% nos CCs. Investimentos na cultura nós só vamos cortar naquilo que não é de fato cultura. Vamos realocar esses recursos para produzir, de fato, cultura. Também tem que ir buscar recursos no Ministério da Cultura por meio de bons projetos.
Néspolo: Teremos de revisar e planejar muito bem todos os investimentos. Na Cultura não será diferente. Mas a Cultura pode muito bem ser viabilizada e valorizada a partir do momento em que abrirmos a discussão do Plano Municipal de Cultura com a comunidade. Isso é fundamental.
DANIEL GUERRA
:: Personalidade da cultura que admira: Mario Quintana
:: Último livro que leu:A Lista de Schindler
:: Último filme que assistiu: Lincoln
:: Último show que foi: ao Festival de Blues. A falta de tempo não tem me permitido sair.
:: Última peça de teatro que assistiu: Eu assistia a várias quando o Raulino estava vivo (o ator Raulino Prezzi, que morreu em 30 de maio de 2016). Eu era um admirador do trabalho do Raulino.
:: Cantor ou banda preferida: Anjos de Resgate
:: Uma música: Céu, Sol, Sul, Terra e Cor
EDSON NÉSPOLO
:: Personalidade da cultura que admira: José Clemente Pozenato
:: Último livro que leu: Tempo de Esperas, do Padre Fábio de Melo
:: Último filme que assistiu: O Regresso, de Alejandro Iñárritu
:: Último show que foi: A todos os shows da Festa da Uva 2016
:: Última peça de teatro que assistiu: Nenhum Tom de Cinza, do grupo caxiense Menos Zoom
:: Cantor ou banda preferida: Fagner, Zé Ramalho, Lulu Santos, Almir Sater, entre outros muitos grupos que admiro.
:: Uma música: Mate de Esperança, de Délcio Tavares