Desde que a palavra "crise" entrou para o cotidiano da população, reinventar-se tornou-se uma espécie de mantra entre gurus das mais diversas áreas. E em meio à turbulência – política e econômica – em que se encontra o Brasil, adaptar-se ao novo cenário é postura fundamental para a sobrevivência de empresas e indivíduos.
– Uma necessidade de adaptação é bastante bem-vinda se você quiser continuar participando do jogo.
A afirmação é de Clóvis de Barros Filho, livre-docente pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP) e um dos mais requisitados palestrantes sobre ética do país. A convite da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Caxias do Sul, o filósofo veio à cidade para participar do lançamento da campanha "Caxias Tem Tudo", cujo objetivo é incentivar o consumo no comércio local. Ele concedeu a seguinte entrevista ao Pioneiro:
Pioneiro: Como reinventar-se em uma época em que, para muitas pessoas, parece não haver perspectiva de melhora?
Clóvis de Barros Filho: A reinvenção será tanto mais óbvia quanto mais a água estiver batendo. Quanto mais ela for percebida não como uma possibilidade, mas como uma necessidade. Muitas vezes, um ofício, um trabalho, um serviço, durante um certo tempo, tem enorme utilidade social e, portanto, uma vantajosa compensação econômica. Mudam-se os dados da realidade e aquele mesmo ofício passa a ter um valor muito menor e, com isso, ser remunerado de uma maneira muito menos significativa. Por exemplo, você está gravando essa entrevista com esse gravador que te dispensa anotar as coisas que eu estou falando. Antes do gravador havia uma técnica chamada taquigrafia. Havia taquígrafos, havia também professores de taquigrafia, cartilhas de taquigrafia, havia até livros sobre como aprender taquigrafia. E é evidente que, com o advento do gravador, o ofício de taquígrafo perdeu a sua importância social e, evidentemente, passou a ser remunerado de maneira cada vez mais singela até, praticamente, desaparecer. Perceba, então, que um dado da realidade, como é o gravador, determinou uma alteração no valor do trabalho de um profissional. Isso está acontecendo o tempo inteiro, dia a dia, em todos os lugares. Aquilo que antes era incrível já não é mais tão incrível e aquilo que antes não tinha valor nenhum pode começar a ter grande valor. Assim, o que pode atrapalhar muito é a crença, ou a expectativa, de que, se eu sempre fiz isso, continuarei fazendo eternamente. Isso é uma postura arrogante diante do mundo. É uma postura que parte de uma premissa de que eu não vou mudar porque o mundo não deveria ter mudado. Isso acaba ensejando um discurso de ressentimento diante da alteração das coisas, e você perceberá quanta gente acaba, de maneira saudosista, se lembrando do passado, quando suas competências lhes permitiam grandes aplausos e recompensas. O problema é que as coisas são como elas são, você gostando delas ou não. Portanto, uma necessidade de adaptação é bastante bem-vinda se você quiser continuar participando do jogo.
A reinvenção pressupõe sair da zona de conforto...
Ela é quase que o fim do processo do sair da zona de conforto. O sujeito fica desconfortável e aguenta muito tempo antes de decidir se reinventar. A reinvenção só acontece quando a água já cobriu as duas narinas e a boca. Aí não tem outro jeito. Vamos partir para outro negócio.
Em time que está ganhando não se mexe?
É outra ideia temerária, porque a vitória implica uma adequação a certas necessidades do mundo e a certas condições de realidade. Como o mundo não para de mudar, quando você diz "em time que está ganhando não se mexe" significa "eu vou conservar as minhas competências tais como elas são e dou de ombros se o mundo mudar. Tô nem aí para o mundo se ele mudar". É possível que o seu time deixe de continuar ganhando. Ou seja: para mantê-lo vitorioso, é preciso que você mude de maneira tão significativa quanto foram alteradas as condições de realidade do jogo que você joga. Porque se você fica parado e o mundo muda, o desalinhamento é imediato. Se a vitória é um alinhamento com o mundo, se o mundo mudou em velocidade espantosa, ou você muda junto ou você fratura. O desalinhamento é óbvio, e aquilo que foi um dia harmônico se torna desarmônico.
Entrevista
"Quando você é muito aferrado a uma definição única de si mesmo você se vê impedido de ser livre", afirma Clóvis de Barros Filho
Filósofo esteve em Caxias para falar sobre reinvenção em tempos de crise
Diego Adami
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