O tema que a história desenvolve é muito maior - o verídico primeiro caso de cirurgia de mudança de gênero -, mas são os cenários que mais saltam aos olhos em A Garota Dinamarquesa. O longa, que estreia nas salas de Caxias nesta quinta, se aproveita da profissão de seus dois protagonistas para transformar cada take em pura pintura. A impressão é a de que estamos passeando por dentro de um quadro criado pelo diretor Tom Hooper sob suaves toques de pincel, onde os personagens, no entanto, são pulsantemente vivos.
Na efervescente Copenhague da década de 1920, Einar Wegener (Eddie Redmayne) é um reconhecido pintor de quadros que vive um casamento de íntima parceria com a também artista Gerda (Alicia Vikander). Precisando terminar um retrato feminino sem a modelo presente, a esposa pede ao marido que pose para ela usando os delicados sapatos e o vestido da dona do quadro. Divertida e deliciosamente moderna, Gerda adora a brincadeira e incentiva Einar a vestir-se de mulher numa festa, sob a doce alcunha de Lili. A atitude, no entanto, parece abrir a porta de um novo e desconhecido universo ao artista, que passa a travestir-se com frequência depois daquilo. Inicia ali a trajetória - e o martírio - de Lili.
Se a embalagem visual de A Garota Dinamarquesa é quase mais interessante do que o próprio roteiro em si, não é culpa dos atores, que fazem um espetacular trabalho. A sueca Alicia Vikander vem conquistando Hollywood aos poucos - chamou atenção recentemente vivendo uma robô no interessante Ex-Máquina - e recebeu sua primeira indicação ao Oscar com A Garota Dinamarquesa. A categoria, no entanto, deveria ser melhor atriz e não atriz coadjuvante, pela qual ela concorre. É que o papel desempenhado por Alicia é tão importante quanto o de Eddie Redmayne (esse sim indicado a melhor ator). Sua forte Gerda é fundamental em todo o processo de transformação de Einar. A mudança atinge ambos e o amparo que encontram um no outro é uma das características mais bonitas da história.
Redmayne, vencedor do Oscar em 2015 por um trabalho de atuação quase sem palavras em A Teoria de Tudo, agora constrói o nascimento de Lili em olhares, andares e trejeitos - às vezes até abusa um pouco deles. A alegria do personagem em finalmente poder dar vida a Lili, que habitava sua alma desde sempre, contrasta com as dificuldades que a condição implica. Einar vai enfrentar os médicos da década de 1920 e receber diagnósticos como esquizofrênico e mentalmente perturbado. O desenrolar da cirurgia que o tornaria para sempre Lili só aparece na segunda metade do longa. Mesmo com a possibilidade que se abre, a dor parece ainda o único caminho disponível.
Num dos diálogos mais interessantes do filme, um amigo de Lili questiona se o médico vai fazer dela uma mulher. "Não, isso foi Deus quem fez", responde a personagem, embaixo de um belíssimo figurino. Esse é um dos momentos mais "opinativos" quanto à temática do longa. No geral, Tom Hooper prefere o drama ao discurso. A emoção, é bom o espectador saber, é garantida.
NO OSCAR
:: Melhor ator (Eddie Redmayne)
:: Atriz coadjuvante (AliciaVikander)
:: Design de produção
:: Figurino
Cinema
Salas de Caxias recebem "A Garota Dinamarquesa" a partir desta quinta
Longa conta história da primeira pessoa que se submeteu a uma cirurgia de mudança de gênero
Siliane Vieira
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