O incêndio que reduziu a escombros o imponente Museu Nacional, na região carioca da Quinta da Boa vista, consumiu uma parte ainda não calculada do acervo de 20 milhões de itens históricos que ficavam abrigados na antiga residência da Família Real portuguesa no Brasil.
Ainda sem causas apuradas — as suspeitas são de curto-circuito ou uma queda de balão, relatada por uma testemunha — , o prejuízo para a História e para a Cultura são irreversíveis, como destaca a historiadora e mestra em arqueologia Grasiela Toledo, que nesta semana foi um dos ministrantes de uma aula pública na Universidade de Caxias do Sul (UCS), com o tema O Peso da Perda do Museu Nacional. Organizado pelo diretório acadêmico Bruno Segalla, o encontro reuniu palestrantes de diferentes áreas das ciências humanas, como antropologia, sociologia e filosofia.
– Mesmo que ainda não se saiba exatamente o que se perdeu, o que se sabe é que foi perdida a documentação associada aos objetos. Podem sobrar muitos objetos sem o contexto, sem a sua história. O fogo destruiu não só os itens, mas muita pesquisa e muitos anos de trabalho. O museu é feito principalmente do trabalho das pessoas, que é o que dá significado aos objetos através da pesquisa e da interpretação. Os anos de vida que as pessoas dedicaram ao trabalho jamais será recuperado – destaca a pesquisadora.
A tristeza pela perda do maior museu de história natural do Brasil só é comparada a da indignação pelo descaso mostrado com o museu pelo poder público, que desde 2014 reduz, ano após ano, as verbas destinadas para a sua manutenção.
Por toda a mídia, foram divulgadas diversas comparações envolvendo gastos de toda ordem e por quanto tempo um valor semelhante poderia custear o museu, instituição administrada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vinculada ao Ministério da Educação. Se é verdade que o Brasil regride em investimentos em Ciência e Cultura — o que reflete na preservação do seu patrimônio – querer encontrar um único culpado parece reducionismo.
Para Grasiela Toledo, um fato é que o incêndio da primeiro instituição científica do Brasil, embora seja chocante, não chega a ser surpreendente.
– Infelizmente a situação dos museus no Brasil é calamitosa. Não é "privilégio" do Museu Nacional ter passado por isso. Para citar apenas um exemplo que chamou a atenção recentemente, podemos falar do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo (que incendiou em dezembro de 2015). Infelizmente, a maioria das instituições que tem acervos históricos, arqueológicos, arquivos, biblioteca, museus, não têm a mínima estrutura, nem dinheiro, nem pessoal para ter uma proteção adequada. São instituições tocadas por seus funcionários. O Museu Nacional apresentava problemas estruturais há décadas. Infelizmente, instituições de preservação da história não têm prioridade nos investimentos, nem na área pública, nem na privada – acrescenta Grasiela.
Caxienses com imagens históricas
Nos dias seguintes ao incêndio, uma mobilização que partiu de estudantes de Museologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pedia a pessoas que tivessem visitado o prédio histórico para compartilhar as fotos que tiraram no interior, como uma forma de ter uma mínima preservação imagética dos itens das coleções de paleontologia, zoologia, botânica, antropologia e arqueologia, entre outros documentos e relíquias consumidos pelo fogo. Mais do que tentar amenizar os danos, essa é uma forma de homenagear a instituição bicentenária, vitimada pelo desleixo das autoridades brasileiras.
Dois caxienses que visitaram o Museu Nacional recentemente compartilharam seus registros nas redes sociais, acompanhados de depoimentos divididos entre o encantamento com a riqueza do acervo e a tristeza com o desastre.
Os registros
Fui ao Museu Nacional no domingo (2 de setembro), na Quinta da Boa Vista, cinco horas antes deste patrimônio histórico se transformar em cinzas. Passei duas horas lá dentro, admirado com tantas peças únicas e importantes para a história da humanidade. Me surpreendeu o valor do ingresso, mais do que acessível (R$ 8), para um museu com tantos itens raros. Só o Palácio em si já era motivo suficiente para se visitar.
Se o incêndio tivesse sido em horário de visitação teria sido maior ainda a tragédia, com vítimas e pânico. Que os mesmos critérios rigorosos, repassados aos proprietários de estabelecimentos privados com aglomeração de pessoas, sejam exigidos de lugares históricos com visitação. Um treinamento preventivo periódico no Museu Nacional, que já vinha com problemas de manutenção, era obrigação da União. Nossas maiores riquezas, nossa identidade e nossa dignidade vão perdendo forças continuamente. Só a cultura salva!
Toyo Bagoso, empresário, dono do Mississippi Delta Blues Bar
Foi minha primeira vez no Rio de Janeiro e no Museu Nacional. Passei quatro dias por lá passeando e a visita ao Museu foi incrível. Fico feliz por ter tido a oportunidade de conhecer. Tinha muita gente quando chegamos lá, na manhã de sábado (1º de setembro). A visitação era bem organizada, haviam guardas monitorando todos os cômodos. Lá vi muitas peças interessantes: esqueleto de dinossauros, móveis bem antigos, animais, mas o que mais achei incrível foram as múmias. Os detalhes são incríveis. No domingo, dia do incêndio, ainda estávamos no Rio. Estávamos na beira do mar bem na hora e vimos que os caminhões dos bombeiros não paravam de passar.
Joice de Oliveira, relações públicas e funcionária da Associação do Juízes do RS
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