Neste sábado dia 4, completam-se exatos 20 anos do falecimento de uma das personalidades mais emblemáticas da área médico-social de Caxias do Sul. Sim, para o pediatra Henrique Ordovás Filho, o olhar humanista, a preocupação com o outro, a afeição pelas crianças e os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade dialogavam diretamente com a atuação profissional.
Nascido em Porto Alegre em 3 de julho de 1919, o jovem Henrique chegou a Caxias por volta de 1938, para servir ao Exército no antigo 9° Batalhão de Caçadores – ainda como estudante de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Graduado em 1946 e atuando a partir daí com os contemporâneos Carlos Spinato, Augusto Sartori, Mário Jorge Rocha Netto, Jayme De Carli, Virvi Ramos, Jorge Sehbe e Darwin Gazzana, Ordovás começou quando a pediatria recém havia atingido a condição de especialidade em Caxias – "Clínico Geral e Doenças de Crianças" era o título corrente.
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Após uma breve passagem por São Francisco de Paula, o médico estabeleceu-se definitivamente por aqui. Foi o período em que passou a atuar em diversas frentes: na traumatologia, na ortopedia e nos atendimentos de urgência no pronto-socorro do Hospital Del Mese.
Por volta dessa época, começou a desenvolver também uma série de atividades junto ao antigo Centro de Saúde, auxiliando crianças pobres e subnutridas, além de dedicar-se aos então recorrentes casos de poliomelite e paralisia cerebral – trabalho que culminou na fundação da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), a segunda do Brasil, em 1957. Na sequência, ele inauguraria outras sete pela região.
A frase de Ordovás gravada na sede da Apae, no túmulo do médico, no Cemitério Parque, e no busto junto ao Centro Municipal de Cultura resumem à perfeição não apenas todo esse trabalho, mas sua filosofia de vida:
"Não me esperem para a colheita, pois estarei sempre plantando".
Resistência à ditadura militar
Vereador pela antiga Aliança Republicana Socialista (ARS) na legislatura 1964-1968, Henrique Ordovás Filho foi um dos principais líderes da resistência contra a ditadura militar em Caxias – e sofreu, logicamente, com os desmandos do regime.
Logo após o golpe de 1º de abril de 1964, ficou preso durante 29 dias em Porto Alegre, sem qualquer contato com a família. Conforme recordou no Pioneiro de 1997 a esposa Reny Damin Ordovás (falecida em 2016), a detenção marcou a família para sempre.
"Era 1h da madrugada quando um senhor bateu à porta de casa. Vinte minutos depois, 12 oficiais armados de metralhadoras chegaram para buscar o que a gente tinha".
Como o pediatra estava em tratamento, dona Reny viajou três vezes a Porto Alegre num único dia, na tentativa de libertar o marido e conseguir que ele ficasse internado em um hospital. O médico acabou solto, mas teve o mandato de vereador cassado em 20 de abril de 1964 (junto com o do titular Percy Vargas de Abreu e Lima e de outros 16 suplentes), sem nunca saber o real motivo da prisão.
Em 2015, uma cerimônia na Câmara de Vereadores marcou a devolução simbólica dos mandatos dos vereadores cassados 51 anos antes.
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Reconhecimento
Em 31 de dezembro de 1981, Henrique Ordovás Filhos recebeu o título de Cidadão Caxiense da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, um reconhecimento ao trabalho filantrópico desenvolvido na Apae.
Em 1998, quando Ordovás faleceu, o então prefeito Pepe Vargas decretou luto oficial de três dias. "Sua conduta médica foi exemplar, ele nunca colocou a parte financeira acima do paciente", disse Pepe à época.
Na sequência, o Centro Municipal de Cultura recebeu o nome de Dr. Henrique Ordovás Filho. O médico também recebeu um busto na entrada do espaço, esculpido pelo amigo Bruno Segalla.
A família
Henrique Ordovás Filho casou-se com Reny Damin Ordovás em 12 de julho de 1945. Dessa união nasceram as filhas Marcia, Nádia, Isamar e Ruth. Doutor Ordovás faleceu em 4 de agosto de 1998, aos 79 anos – sem nunca ter parado de atender.
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