Os tempos áureos do Cine Teatro Ópera e a posterior decadência são conhecidos na ponta da língua por historiadores, jornalistas e artistas. Mas os bastidores do grande incêndio que sepultou as esperanças de preservação de um símbolo da cultura caxiense foram apagados da memória coletiva.
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Há exatos 20 anos, na madrugada da véspera de Natal, as chamas consumiram a estrutura na esquina das ruas Pinheiro Machado e Dr. Montaury. Era o fim de uma luta que se arrastava havia uma década em torno do antigo cinema. Só que ao contrário da mobilização do início dos anos 1990, o desfecho da investigação sobre o incêndio não despertou interesse da imprensa e da própria comunidade.
Não há documentos arquivados ou anotações precisas sobre o trabalho que tentou estabelecer se o fogo foi obra de criminosos ou acidente - as causas permanecem sob um manto de dúvidas até hoje.
A única certeza é de que a apuração da Polícia Civil não avançou por dificuldades e falhas na coleta de provas, e também pela falta de pressão de setores que outrora reivindicavam a preservação. Um detalhe crucial apontado por pelo menos duas testemunhas também nunca foi esclarecido: quem eram os homens que estavam no prédio momentos antes de o fogo começar.
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O inquérito foi comandado por um delegado morto no ano passado, e conduzido por um agente que deixou Caxias do Sul e hoje evita contato com antigos colegas e a imprensa. A pasta contendo resultado de perícia, depoimento de testemunhas e outros documentos deveria estar sob a responsabilidade do 2º Distrito Policial (2º DP). A equipe atual, porém, não localizou registros do caso.
Funcionando como Cine Theatro Apollo até 1951, o Ópera ressurgiu reformado e modernizado em 1953. Foi o início da época dourada. A partir de 1960, com a consolidação da tevê, os cinemas perderam público, e o Ópera seguiu o mesmo caminho. Os anos 1970 marcaram o início do declínio, potencializado a partir de meados dos anos 1980, quando a sala é declarada de utilidade pública. Nos últimos três anos, a casa exibiu espetáculos e filmes esporádicos.
Parte da comunidade queria tornar o prédio patrimônio público, a exemplo de outras edificações pela cidade. Outros setores defendiam a demolição e direcionamento de recursos que seriam investidos no antigo cinema para obras de habitação.
A família Muratore, que estava no meio da disputa, não dispunha de recursos para mantê-lo. Uma das herdeiras, Gilse Muratore, tentou buscar verbas com a prefeitura e instituições, sem sucesso. A última sessão ocorreu em 4 de janeiro de 1993, com o filme "Drácula de Bram Stocker". Dias depois, o então prefeito Mário Vanin mandou instalar tapumes no entorno. Em dezembro, os donos retiraram toda a madeira nobre usada nos mezaninos.
Na madrugada de 24 de dezembro, por volta das 4h40min, os bombeiros receberam chamado sobre o incêndio.
Três homens foram vistos no antigo cinema
Testemunhas afirmam que homens estavam no Cine Ópera na noite da véspera de Natal, há 20 anos. A historiadora Loraine Slomp Giron, vizinha do prédio, garante ter ouvido um estrondo na madrugada. A presença de pessoas na edificação também foi confirmada por outra vizinha, segundo reportagens da época.
- Lembro bem: ouço barulho (estouro) e vou ver pela janela. Daí vejo chamas no terceiro andar do prédio. Para o fogo estar naquela altura deveria ter sido usado muito material de combustão. Na esquina, vi três homens pulando os tapumes. Eles não eram mendigos, vestiam calças escuras e camisas sociais. Em seguida, tudo pegou fogo - descreve Loraine, que confirmou tais detalhes em depoimento à polícia.
O dormitório improvisado no antigo cinema era de conhecimento das autoridades. Mas a investigação não identificou essas pessoas e tampouco encontrou pistas que levassem aos três homens bem vestidos citados por Loraine.
Os peritos Cláudio e Solange Piazza Machado visitaram o prédio na manhã seguinte, à pedido do então delegado plantonista Clóvis Rodrigues de Souza. Eles garantem que o incêndio não teve origem em curto circuito e foi iniciado com combustível não definido. As chamas consumiram rapidamente os 600 metros de área construída porque não houve manutenção durante três anos.
- Se fez o máximo possível para coletar provas, mas havia muito escombro, houve muita interferência para apagar incêndio, paredes desabaram. Nossa perícia foi por exclusão. Pode ter sido proposital ou acidente, mas não se chegou a nenhuma conclusão. O certo é que teve ignição - diz Cláudio.
O jornalista e documentarista André Costantin esteve no Ópera na madrugada do incêndio, e acompanhou as mobilizações anteriores pela preservação. Ele acredita que o pouco interesse da comunidade sobre o desfecho da investigação se deve à saturação:
- Não sou preservacionista, mas o que aconteceu é o retrato da palhaçada com a cultura da cidade. Quem defendia a manutenção ficou desgastado. O fogo encerrou de vez qualquer perspectiva.
A família Muratore, proprietária do cinema em 1994, preferiu não se manifestar sobre o assunto com a reportagem.