Encontrei quatro freiras no Natal nos Vinhedos, em Bento, tomando vinho e dançando hits de Tim Maia entoados por Tonho Crocco. Achei interessante o contraste entre a sisudez do hábito e a faceirice das religiosas, não me contive e fui conversar com elas. “Estamos abertas às coisas lindas da vida”, disse-me uma delas. A outra quis saber um pouco de mim e perguntou como andava minha vida cristã. Disse que não estava exatamente organizada, rimos, e fiquei pensando naquilo, especialmente no momento que antecede o Natal, minha festa favorita depois do meu aníver. Tomada pelo espírito natalino, percebi que não tinha sido precisa o suficiente na resposta. Se a data que simboliza o nascimento de Jesus pressupõe um tempo de alegria e confraternização, tenho a impressão de que estive bastante conectada com ela.
A começar pelos brindes: consegui me reunir com muita gente que gosto, que mora perto e longe, para selar os encontros (meu mote favorito), sempre olhando nos olhos e com diferentes tipos de bebidas – até água e refri valem, desde que a intenção seja legítima. Erguer taças na companhia de amigos, ao redor de uma mesa, celebrando a fluidez da vida, merece sempre ser valorizada.
Assisti a muitos pores do sol, meu clichê favorito, e muitas vezes parei para contemplá-los: na praia, no meio do mato, entre edifícios. Peguei chuva numa travessia de barquinho, fiz amizades com vizinhos temporários, ensinei um amigo a tirar fotos melhores. Houve aquelas ações que fiz sem esperar nada em troca – imagino que isso também deva aparecer em algum versículo da Bíblia –, mas ajudei uma amiga na longa jornada de recuperação pela qual está passando e, por mais que a recompensa esteja na própria ação, ela é grata e não se cansa de dizer que fui importante para salvá-la. Talvez exista pouca coisa essencialmente cristã como essa.
Consegui refazer algumas relações que ficaram estremecidas por mal-entendidos, tive a capacidade de reconhecer erros do passado e aceitar que as pessoas são como são – nem sempre como gostaria que fossem – , e foram lições valiosas. Saber perdoar e ser empática estiveram, em maior ou menor grau, em boa parte do ano. E aprendi a desapegar. Nesse caso, talvez haja uma aproximação maior com o estoicismo, não tenho certeza.
Tive a oportunidade para dizer pessoalmente a algumas pessoas o quanto as admiro – seja Aline Bei e Zeca Baleiro, sejam anônimos –, me emocionei em shows que tinha vontade de assistir a tempos, sambei com minha mãe ao som de Alexandre Pires e Seu Jorge, chorei no show do Skank lembrando o Dudu, chorei no show do Chico lembrando a vó Reny, e pude reafirmar a certeza de que as pessoas vivem na gente. Talvez essa seja a melhor forma de rezar por elas: mantê-las vivas em nós, da maneira como elas eram.
Pensando bem, deveria ter dito para a freira que minha vida cristã está bem perto da plenitude. Pode não ser o que ela imaginava para a sentença, mas imagino que viver de acordo com o que se acredita e tentar espalhar alegria e diversão são o que verdadeiramente nos aproxima do transcendente, seja ele qual for.