Teve um dia que roubei uma muda de flor num jardim. Teve uma vez que tirei uma samambaia entre-pedras. No primeiro caso achei que lá na minha varanda ela floresceria, no segundo, eu me senti uma heroína salvando a pobre planta da agrura. A realidade: a flor nunca floresceu e a samambaia morreu. Eu, frustrada, sobrevivi, e, ainda vingo, contrariando as expectativas.
O que escrevo hoje não é uma reflexão sobre plantas, definitivamente. Ou é, não sei se importa. Tudo é vida. Eu só mencionei dois dos meus dissabores botânicos para que possamos estabelecer parâmetros de vida, morte e sobrevivência.
Você tá vivo? Tá morto? Sobrevivendo? Há profundas diferenças entre as três descrições.
Já estive viva, pungente. E faz tempo. Um dia vi minha filha sair chorosa de um inexistente buraco meu, sem anestesia . Ela, viva. Eu, viva. Naquele dia meu mundo implodiu em amor e resiliência. Excelente dia aquele, lembro.
Outra vez, meu coração parou de bater n’outro peito, morri ali. Até hoje não tenho certeza da minha exata existência. Eu nunca chorei meu-eu defunto-outro, vou só indo e respirando. Fingindo não sentir falta da falta que a falta faz.
Semana passada eu não estava pronta para enfrentar meus fantasmas, tão menos lidar com monstros que não são meus, mas a mim foram entregues ainda bebês. Quem abandona um bebê, mesmo que um seja monstro? Amedrontada, sobrevivi.
Hoje pela manhã, penteei os cabelos cacheados e finos de minha cria, deslizei o pente da raiz às pontas, senti a estrutura da estrutura dela passar entre meus dedos finos e longos, senti sua vida pulsante. Fiz-lhe um penteado, adornei-me de vida. Sua trança ia ao ombro, minha esperança ia três gerações à frente e cinco atrás.
Viver é isso: chorar no chuveiro, sorrir para estranhos, fugir dos assombros, enfrentar o dia a dia — esperando o fim. Acontece que o mundo não acaba. Não hoje, nem amanhã. Penso que o mundo já acabou. Talvez o mundo inexiste bem antes do nosso nascimento. Talvez ele nunca existiu. Já pensou?
Isso que você carrega sobre as costas parece vida? O cenário sobre o qual você transita parece mundo? Diga-me, em sinceridade, o que está posto era o que você esperava quando tinha cinco anos? Numa balança existencial, você carrega mais alegrias ou tristezas?
Quem sabe, você, como eu, tenha passado horas deitado na cama, encarando o teto, a procurar um sinal. Sinal qualquer, algo besta. Uma fagulha divina que te diga que isso aqui não é um grande equívoco e você só foi o jogador certo convocado na hora errada.
Quem sabe, você, como eu, teve uma semana de infinitas tentativas. Sendo assim, palavras como produtividade e êxito perderam o significado.
Enfim, você tentou. Mas, tentou o quê? Com que motivação? Com qual possibilidade? Seria possível algo bom nascer dessa bagunça na qual você está?
Queria terminar esse texto com uma lição, um ensinamento, mas, como? Não aprendi nada nos últimos dias. Ou, quem sabe, aprendi. Bom, ainda respiro, não chorei, não me chicoteei e não desisti do amanhã. Tô no lucro, acho. Acho e só.