Tenho dormido mal. Semanas já podem ser contadas desde a última noite de sono decente. Ofereço ao universo minha produtividade e vou à cama lá pelas tantas, tarde da noite, o dia quase a virar, faço um ritual para sono certo, mas não funciona. Cabeça no travesseiro, pensamentos mais acelerados que carro de Fórmula 1. Curvas e curvas entre lençóis. Não há pódio possível para quem não dorme, há só luta, derrota e uma irritação sobre-humana.
Tenho tido noites vazias de descanso e cheias de todas as palavras que não disse durante os dias que se foram. Minha terapeuta me disse que eu preciso ser mais reativa, deixar minhas emoções aflorarem, acho que ela não vive num mundo real, pelo menos não no meu. No mundo o qual pertenço as pessoas imploram para que as relações sejam baseadas na passividade agressiva. Não abrem portas para diálogos sobre incômodos e permissividades excessivas, elas têm medo de enfrentar seus monstros.
Sendo assim, sigo ver meus monstros engordando, alimentados pelas confusões e covardias alheias. Acordo bem, apesar de ter dormido mal, e sigo o dia a deglutir mazelas muito bem disfarçadas de cuidado e boa vontade. Vou indo pelo infinito dia abarrotado de demandas da mulher que sou e banco, como se as questões de uma mulher-trabalhadora-mãe-solo não fossem suficientes para surtos homéricos.
E, por ser sabido que assim gira esse meu planeta, tenho me trazido cada vez mais pra cá, do lado de dentro, da casa e de mim. Passo as horas que a maternidade me permite fora do convívio social, tentando não lidar com aquelas pessoas que, por escolha, não se tratam, nem ao menos buscam se olhar no espelho. E, se se olham, veem somente o próprio reflexo e enxergam beleza ali. É que Narciso acha feio o que não é espelho.
É do ser humano, em proporção, sentir suas dores de maneira intensa e a do próximo de forma mais amena. Entendo isso. Mas, fazer o outro de rede de contenção dos próprios desastres, daí é sacanagem. Cada um de nós tem seu próprio inferno pessoal, há uma necessidade de reflexão urgente sobre quantos demônios temos entregado para que os outros exorcizem. Acontece que não estou mais disposta a enfrentar o sobrenatural de ninguém, o meu já me custa muito.
A fim de, cotidianamente, tentar ser alguém melhor para mim e para o mundo, como já disse, tenho me mantido mais retirada, tenho gostado, inclusive. Aprendi a duras penas a dizer gentis nãos, para que todos saibam o que quero, posso e gosto de fazer. Mas, aparentemente, não é suficiente, tenho notado que, indiretamente, as pessoas têm me pedido para ver minha pior face. Se querem ver, algo dentro de mim quer mostrar. Mas, sendo sincera, elas só acham que querem, não suportariam. Eu já vi e é horrível.
Devia ter uma placa em mim dizendo: cuidado ao se aproximar, criatura de muitas camadas. No geral, sou gentil e sorridente, mas já enfrentei desertos emocionais demais, eles me fizeram igualmente árida. Há poucos oásis em mim, mas ainda há. Para quem vem com calma e boa intenção, sou água fresca e sombra em dia quente, é só chegar.