Eu tinha um fone de ouvido, desses bons, desses caros, que o logotipo da marca consome quase todo o espaço do design. Eu o usava por umas oito horas seguidas, diariamente. Um dia, do nada, ele parou de funcionar. Bem, nem tão do nada assim. Ele deu sinais: primeiro chiou, em seguida desconectou sem razão, logo se foi.
Assim como meu fone, há tempos meu eu vinha dando sinais de que algo estava errado. Exaustão, insônia, irritabilidade nas alturas, crises existenciais profundas e cotidianas. Se me deitava para um breve descanso, apagava. Se me deitava para dormir à noite, despertava. Numa dessas noites de involuntária vigília, me lembrei que a última vez que tirei férias minha filha não estava nem na barriga.
Fui pulando de trabalho em trabalho. Saltando de projeto em projeto. Surtando em silêncio, sempre que dava. O corpo padeceu inúmeras vezes, a mente desnorteava a cada volta da terra. Fui remediando com atividade física e terapia, e, até um pouco de sexo. Mas, de fato, nada trazia saúde ao meu corpo-espírito.
Fiz tudo o que pude, para além da terapia e atividade física, desde me afastar de gente desnecessária a expurgar o deus-mercado da minha vida. Liberei perdões mil e fiz yoga. Tomei muita água e suplementei a alimentação. Senhor Deus dos Desatendidos, o que mais posso fazer por mim? Pedi aos céus muitas vezes uma resposta.
Os dias passavam eu buscando produtividade em meio ao caos. A vida de mulher-mãe-trabalhadora exigindo cada vez mais, e, eu nos paliativos, sem crer na cura.
Eis que, num dia comum, convite para curtas férias ensolaradas em águas termais. De pronto, queria dizer não, mas repensei pois odeio água fria. Parecia plausível e possível conduzir o trabalho e a maternidade em meio à situação.
O plano era escrever, acertar a agenda da empreendedora que sou, rever o planejamento dos projetos, revisar os produtos, fazer a cria feliz, comer bem, treinar todo dia e, se sobrasse tempo, tomar um drink. Em suma, não tirar as curtas férias.
No primeiro dia, meu corpo-espírito não quis reagir à minha organização descompensada. No segundo, tão menos. Acabei aceitando a liberação da responsabilidade. Então, abri um vinho pós piscina, tomei enquanto cozinhava uma carne boa. Ouvi música sem fone de ouvido, brinquei, ri, assisti filmes, li poesias. Me senti tão bem.
Essa sensação de bem-estar era o meu íntimo, esse deus que nos habita, respondendo ao meu repetitivo questionamento sobre o que fazer para ficar bem. A resposta estava dentro de mim: descanse.
No quinto dia depois da minha auto permissão em ser inútil ao mundo, já me sentia útil para mim. Os pensamentos estavam mais organizados e o corpo grato pelas horas dormidas, sabia que a segunda-feira chegaria e isso me deixava feliz, não ansiosa. Tinha ciência que estava vivendo minha necessidade de descanso sem culpa, talvez pela primeira vez.
Demorei para entender que não sou, em nenhuma instância, a super racionalidade das ferramentas tecnológicas as quais domino e nem reponho bateria com facilidade como um gadget. Eu travo sem descanso. É isso, seres humanos também pifam. Eu quase pifei!