Sou apegada às palavras e suas significâncias. Sobretudo, sou uma apaixonada pelos tremores que as profundezas dos dizeres nos causam. Eu, toda adonada dos vocábulos, não poderia dizer mais dela do que ela mesma disse em suas concepções ou interpretações. Tenho a sensação de que um tornado guiou Rita Lee. Tudo a trouxe até aqui: seu nome, sua ascendência, seus traumas, sua personalidade selvática, sua voz.
Antes dessa selvageria mulherista tomar meu espírito e tornar-me indomável, eu ouvia Rita Lee. E foi ali que começou nosso caso sério. A ouvia numa vitrola velha, nuns discos arranhados de segunda mão, e, bem ali, naquele som de qualidade duvidosa, estive atenta, enquanto ela gritava pra mim coisas que eu não entendia, mas que me faziam um bem imensurável.
“Minha saúde não é de ferro, não, mas meus nervos são de aço. Pra pedir silêncio, eu berro. Pra fazer barulho eu mesma faço, ou não.” Essa era a descrição do meu perfil no extinto MSN. Roubei de uma música de Rita e só depois dos 20 anos pude entender o porquê. Eu já era uma intenção de tempestade na adolescência, fui maturando isso e saboreando meus raios Ritalísticos pelas décadas.
Hoje, aos 36 anos, consigo entender que uma criatura fora do prumo, como eu, se constrói sobre muito escombro e cria base em referências alheias. Rita foi uma das maiores referências de mulheridade que eu tive na vida. Não nego, ela fez um auê na minha cabeça e nunca se desculpou. Ainda bem! Segui tendo a estrada subversiva que ela me apontou como caminho.
Mulher, mãe, artista. Eu, dentro da minha humildade de conquistas, me encontro com ela em tantos lugares atualmente. No ofício da poesia ter voz e se fazer gente; na maternidade fora do prumo social; na boca que nunca cala; no jeito efêmero de amar; e, na ânsia descontrolada de fazer do nosso micromundo, um melhor lugar.
Hoje, confortável aqui na minha pele balzaquiana e, exatamente no momento em que vivo, reafirmo Rita: Eu não tenho nada pra dizer, por isso eu digo. Eu não tenho muito o que perder, por isso jogo. Eu não tenho hora pra morrer, por isso sonho.
Dos nossos encontrares, importante pontuar que na semana em que tristemente o Brasil se despediu dela, dando adeus a uma das mulheres que mais representaram o ser real feminino na história atual, eu me permiti sonhar, talvez pela primeira vez.
Considerei simbólico para minha existência sua morte dar mãos ao meu renascimento. Ela viveu sem medo, morreu idem. E, na sua jornada, inspirou coragem em uma menina Sandracecília, que resolveu se despir de tudo e seguir nua pela vida pra mostrar à sua filha e às outras meninas que podemos ter vez desde que assumamos nossa voz.
Ai, Rita, hoje quando a lua apareceu, você não respirava mais junto aos viventes. Olhei pra lua e questionei injustiças, uivei alto e brava. Daí, me dei conta que não há motivos pra lamúrias. Você sempre estará entre nós em canções, dotada de poder e poesia. Sempre perto ensinando que é melhor falar do que calar. Bem aqui, dentro de mim, imortal, cheia de saúde pra gozarmos no final.
Obrigada infinitamente, Rital Lee Jones!