Cursor batendo na página em branco, o que escrever? O cursor bate tão forte na página em branco que retumba e descompassa as batidas do meu coração. Ele me diz sonoro, até grosseiro: vai, escritora, escreve! Eu fico ali, estática, a olhar para a página, sentindo seu açoite. A página quer uma nova história, o cursor tem pressa.
Depois de um dia árduo, como quase todos da vida de uma mulher-mãe-trabalhadora, me sento à varanda para escrever. Cabeça cheia, dia cheio, semana cheia, mês cheio, vida cheia. Eis, o livro de ponto da existência querendo, violentamente, se sobrepor à arte. Sobre o que devo escrever agora, me pergunto. Me vem à mente mil situações. É duro escolher.
Começo a analisar o presente-passado. Numa hora eu quis gritar de raiva, n’outra eu ri até a barriga doer. Teve um dia que eu me senti injustiçada e frágil. Esse precedeu outro em que me ergui antes do sol, vesti uma armadura de ouro e segui, a guerreira mais potente que já pisou sobre a terra. Como escolher qual história contar hoje?
Gosto de escrever sobre coisas que inspiram e fazem com que as pessoas que me leem tenham fé em si e sigam seu caminho, enquanto apreciam a paisagem. Mas, confesso, às vezes não tenho motivação o suficiente nem para mim, quiçá para motivar outrem.
Tenho tido dias pessoalmente desafiadores. Eles me fizeram questionar tudo o que sou, o que fui e, sobretudo, o mérito das minhas mínimas conquistas. Tenho passado muito tempo a exorcizar meus fantasmas. Tenho ido, buscando organizar minhas gavetas mentais, redefinir as metas, manter a sanidade e lidar com as mil saudades que guardo no profundo do meu infinito.
Hoje, após sair do trabalho, muitas horas depois do expediente morrer, segui ao mercado. Precisava de um bom vinho para sepulcral minhas derrotas íntimas. Queria comemorar o quão valente fui. E, sim, eu fui! Além disso, precisava chegar em casa com um mimo para Pilar, tentando compensar as horas que passei distante dela.
Vinho escolhido, um português de boa safra. Mimo em mãos, eu sei do que minha pequena gosta. Chego, naturalmente, ao caixa. Lá, a atendente de sempre. Nos cumprimentamos como velhas amigas. Me faz feliz ver sua alegria ao me ver. Ela passa o vinho e o restante. Diferentemente dos outros dias, ela comenta minhas compras.
Primeiro, me questiona se eu vou tomar o vinho com alguém especial, digo que não. Ela emenda que me admira por comprar um vinho caro e ir para casa tomar sozinha. Justifico a ela que se tem alguém na minha vida que merece esse presente sou eu. Reforço que o dinheiro do vinho é o mesmo das lágrimas que não chorei, do esforço sobre-humano que fiz mesmo sem forças. Encerrei dizendo que ela também merecia um bom vinho vez ou outra. Ela sorriu com os olhos e reforçou a sacola da minha pequena compra. Nos despedimos com cumplicidade.
É isso: mulheres comuns são frágeis e fortes; alegres e tristes; se perdem e se acham. Seguem! E, essa é a história que eu sempre vou contar para alimentar meu cursor ansioso e minha voraz página em branco.