Criar um perfil em uma rede social de relacionamentos, como o Tinder, é adentrar num universo vasto para estudos profundos acerca do que fomos enquanto sociedade, do que nos tornamos a partir daquelas velhas construções e, pela minha experiência, as perspectivas de futuro não são nada boas.
Desde que o mundo como conhecemos existe, desde que a noção de propriedade privada foi instaurada como regra, desde que juramos amor eterno frente à testemunhas, tem sido uma dura lida para encontrarmos e mantermos o verdadeiro amor. A imensa complexidade do tema é palpável ao observarmos o caminho dos apaixonados, do encantamento até o firmar do casal.
Amor é coisa para profissionais, disse o poeta. Belchior, creio. Pois é, de fato, a profundidade de se amar alguém pede muita capacitação nos âmbitos mais diversos do ofício de ser gente. Para ser criatura bem sucedida na arte de amar – como dizem –, precisa ser artista. O amor para ser bem vivido, exige de nós traquejo social, respeitabilidade real pelo íntimo alheio, ego sob controle, muita dedicação e uma enxurrada de vontade para não desistir.
Com as possibilidades de termos um cardápio pronto, repleto de gentes de todos os tipos físicos, com as mais diversas vivências – e carências, e traumas – ali disponível numa timeline, tem-se a impressão de que há de existir alguém ali, entre milhares, que tenha sido feito para nós. Correto?
Sem entrar no mérito da existência ou não de uma alma gêmea, entendo que encontrar o tal amor verdadeiro seja como ter nas mãos o Santo Graal. E, imagino, que seja nessa lógica social que os aplicativos de relacionamento foram criados e se multiplicam por aí, buscando apreender nichos afetivos. É por pessoas como eu e como você, que tem pouco tempo e dormem sozinhas que eles se proliferam.
Deixo explícito, sou grande entusiasta das tecnologias, e acredito na funcionalidade do meio digital para unir pessoas que buscam horizontes semelhantes. Mas, ao estar ali, viver aquilo, me deparei com a lógica velha da conquista contaminando o novo mundo. A gente está estragando o Tinder, pessoal. É sério!
Uma ferramenta tão capaz, com algoritmos complexos, está sendo colocada a perder por nossos hábitos arcaicos de dominação. É lamentável constatar. Em plena pós-modernidade, onde os afetos poderiam já ser mais bem compreendidos e aceitos, estamos a buscar o espelho. Seguimos buscando a nós mesmos no outro.
Ao analisar os perfis, pelo menos os que tive acesso, três socos na cara de uma vez: romantização irreal, abuso do valor do outro e a busca irrefreável por encaixar alguém à força em nossas vidas. Essas são fórmulas que já foram abortadas, né. Para quê seguir tentando fazer com que elas funcionem?
Minha experiência social com o Tinder durou pouco mais de 24 horas, mas eis-me aqui: a sobrevivente. Apesar de achar a ferramenta genial, não consegui lidar com as pessoas que ali estão. Sigo solteira, graças a Deus. E os homens? Olha, segue dura a vida da mulher heterossexual. Off ou online, nada muda.