Bati o carro em um dia de neve. Essa é uma daquelas frases que eu nunca nem pensei que diria, já que 1) ninguém espera bater o carro; 2) a última vez que nevou foi há 8 anos.
Mas bati.
E obviamente foi um caos.
A gente bem que deveria estar preparado: se você tem um carro, alguma hora pode sofrer um acidente. É a mesma lógica que iniciar um relacionamento e saber que a qualquer hora ele pode terminar. Mas a gente não pensa, até porque, fazemos de tudo para evitar. E por mais que a minha pressa seja corriqueira e esporadicamente eu faça algumas manobras ao melhor estilo de uma versão tupiniquim de “Velozes & Furiosos”, passei todos esses anos ileso de qualquer arranhão – fosse em mim, fosse no carro.
Até que a neve chegou e trouxe a urgência em viver o momento. O caminho era de apenas cinco quadras, e mesmo assim já foi o suficiente: nem a velocidade baixa e todos os planos de emergência conseguiram me parar. Literalmente.
Em uma rua onde eu apenas deveria dobrar, fazendo uma pequena curva para continuar o caminho, simplesmente segui. E sim, levei alguns dias para visualizar a cena de fora e interpretar a metáfora da situação. Há meses eu insistia nesse mesmo erro de querer continuar em linha reta, quando todo o cenário ao meu redor clamava por um desvio. Na hora, eu nem mesmo precisava tomar uma decisão (sabe, esquerda ou direita?), já que só precisava seguir o fluxo apresentado. Mas tem vezes que a gente insiste. Seja por teimosia (meu pai chamaria de “cabeça dura”), seja pelo medo de aceitar uma alteração de rota.
Colidi sem tanto impacto (e por sorte sem arranhões). Enquanto a neve cobria todo o para-brisa, senti estar despido de qualquer camada emocional pela primeira vez na vida. Logo eu, filho da intensidade e neto do imediatismo. Nu no maior frio do ano, encarei a racionalidade das coisas e segui o passo a passo para resolver a situação. Mais tarde, o final da noite foi marcado pela rasa retomada de algum sentimento, o qual eu chamaria de frustração: eu vi a neve, mas não a senti.
Preferi acreditar que a batida foi o choque literal e necessário para um despertar. Eu estava deslizando há meses, e não só naqueles poucos metros. Nessas horas o segredo não é nem botar o pé no freio, desacelerar e replanejar tudo – até porque, eu trafegava devagar como nunca antes. A sensação era nova, estranha e desconfortável: por mais que eu acreditasse ter um trajeto bem definido para percorrer, eu não tinha ideia do que estava fazendo. Assim como os pneus do carro sobre a neve, eu não estava preso a nada – eu mesmo era o veículo com pouco combustível, desnorteado, totalmente à deriva. A batida foi, então, o ponto final da derrapagem.
Ainda estamos no conserto. O carro e eu. Até poderia afirmar que ele sofreu menos danos, mas prefiro não confirmar nada, já que ultimamente tenho acertado pouco. Por enquanto, prefiro dar garantia ao que me é efetivamente seguro: não sei quando ou se ainda vou ver a neve cair de novo, mas tenho certeza que da próxima vez vou querer senti-la.