Não sei dizer ao certo quando foi que eu entendi o que era, de fato, uma mentira. Também chega a ser um pouco assustadora a ideia de que nós saibamos mentir antes mesmo de saber que estamos mentindo. Não lembro quando foi que descobri a verdade por trás de todas as mentiras que me eram contadas – do Papai Noel ao coelhinho da Páscoa. Mas eu posso afirmar com toda a certeza do mundo uma verdade absoluta: eu sou um grande mentiroso.
Creio que sejamos todos. E por mais que a gente cresça rodeado de “mentiras do bem”, aquelas que estão atreladas à cultura social de cada povo, a verdade é que o ser humano é inerente à mentira, seja ela qual for, do tamanho que tiver que ser.
Pensei nisso enquanto estava em uma ligação telefônica com uma operadora de internet. A atividade por si só já é maçante, e mesmo antes de encarar o telefone já prevemos o tamanho da saga que existe pela frente. Acontece que dessa vez eu preferi encurtar o caminho ao decidir cancelar a minha assinatura. Sendo assim, escolhi mentir. Afinal, era certo que dizer a verdade (cá entre nós, troquei de operadora) me renderia súbitos e generosos presentes tardios demais e explicações sem fim, então aleguei estar mudando de cidade porque assim as chances de uma emboscada eram muito menores. Por via das dúvidas, escolhi a mentira.
Ao desligar o telefone, eu estava surpreso por dois fatores. Primeiro: o processo de cancelamento havia sido rápido e simples demais (algo com o qual não estamos acostumados). Segundo: a mentira me pareceu uma opção tão natural que foi aí que percebi como está enraizado dentro da gente que nós só desviamos da verdade quando percebemos uma vantagem necessária – talvez seja aqui mesmo que as mentiras nasçam: na oportunidade de estar, de algum modo, na frente.
Para fins de comparação, a história revela um texto do século 6 chamado Anekdota onde Procópio já espalhava notícias falsas.
Para fins de comparação, a história revela milhares de mensagens sobre política enviadas pelo WhatsApp na semana passada que espalham notícias falsas.
Nada mudou. Ainda somos os mesmos. Continuaremos sendo?
A própria ciência reforça que uma vida de enganos não é algo restrito aos seres humanos, já que plantas e animais também mostram inclinações para conseguir aquilo que querem (a capacidade de adaptação dos camaleões, por exemplo, reforça a ideia da mentira enquanto fundamental para a sobrevivência). Se até mesmo um vírus é capaz de trapacear um sistema imunológico e nós, humanos, possuímos mais de 380 trilhões deles em nosso organismo, acredito que seria uma mentira dizer que não mentimos. No mínimo, controverso.
Resta aceitar que somos isso mesmo: mentirosos. Desde o tempo das cavernas até os dias de hoje e sabe-se mais até quando. E olha que, de acordo com a biologia, o que eu digo aqui nem é fake news.