Voltava da padaria, ao entardecer, quando vi uma cena curiosa. Um menino, em cima de uma escada de abrir, colhia pitangas maduras, alcançando com facilidade os galhos mais altos da arvorezinha na calçada urbana. Outro guri, menor, levantava um balde, para onde iam as frutinhas retiradas, enquanto um homem, provavelmente pai de ambos, segurava a escada. Pai e filhos na colheita, pensei e ri, diante daquela súbita intervenção agrícola rente à rua já agitada pelo trânsito. Mantive o sorriso pelo caminho, a mente agora no velho quintal da infância. Ah, o mundo inteiro cabia ali, no fundo da casa!
Cajueiros, jaqueiras, goiabeiras e mangueiras foram árvores mais que presentes em minha meninice nordestina. Em quintais vizinhos, havia outras frutíferas cobiçadas, como umbuzeiros, cajazeiras, sirigueleiras, sapotizeiros e muito mais. Pitangas eram então frutas do mato, que a gente engolia quentes do calor sertanejo, naquela gana em que cada fruta mordida, verde ou madura, era uma conquista. Troféu doce ou azedo, nada importava senão a sanha infantil de provar tudo.
O quintal lá de casa, sem muros, emendava com o caminho das roças e com um restinho de mato nativo. Eu achava tudo muito primitivo. E espiava os outros quintais, cercados, com árvores diferentes e enfileiradas, a sugerir um padrão de ordem a ser imitado. Tolinho. Nem desconfiava que mãos humanas já tinham misturado as naturezas de toda parte do globo. E mesmo aquele mundo meu, tão supostamente nativo, já era fruto de sementes e mudas de outras terras: jaqueiras e mangueiras da Índia, laranjeiras da China, bananeiras também asiáticas... Se oriente, rapaz!
Nisso eu chego em casa, deposito na mesa a sacola de pães. Aos tais pães franceses, que de franceses não têm nada, melhor chamá-los no vulgo – cacetinhos, como dizem gaúchos e baianos. Hum, o que explica que, num país deste tamanho, somente baianos e gaúchos chamem cacetinhos de cacetinhos, sendo por isso alvos de zoeiras? Quem trouxe ou levou esse nome por primeiro, ligando estados tão distantes um do outro? Muito já pesquisei, e nada consistente encontrei. Deixo assim, o mistério, na conta de um mundo cuja manifestação parece deixar clara a força da contínua interação.
O mundo inteiro nos atravessa. Mangueiras do Pará, coqueirais de Alagoas, canaviais de Pernambuco, vinhedos da Serra gaúcha: típicos cartões-postais regionais, mas com paisagens resultantes de transplantes culturais sobre a natureza local. Aliás, a história agrícola do Brasil, com seus longevos ciclos econômicos, destaca a cana-de-açúcar e o café, originários, respectivamente, do sudoeste asiático e do nordeste africano, tendo antes passado por outras terras. Nativos daqui mesmo são o caju, o maracujá, o abacaxi, a goiaba, o açaí... E a pitanga, é claro, entre trocentas frutas silvestres que nunca chegaram ao consumo geral.
Consumimos mais os estrangeiros pêssegos, maçãs, mamões, ameixas. Esse atravessamento das coisas do mundo, como se tudo fosse movimento, feito o planeta a girar, faz parte dos temas de Sagitário, por onde o Sol agora transita. O signo da flecha ligeira nos convidar a olhar para além dos muros e fronteiras, para além dos quintais e nacionalidades. Sagitário é o não caber num limite e querer ir além. Por isso fiquei contente com aqueles meninos urbanos, talvez moradores de apartamento, sem quintal próprio, mas fazendo da rua um jardim de delícias. Porque sonho de menino é imaginar o mundo como um quintal sem fim. Mais: é ter o mundo em si.