Novembro é tempo de floração do jacarandá mimoso. Essa espécie nativa da região que engloba o Brasil sulino e os países vizinhos costuma enfeitar com esplendor avenidas urbanas. Suas flores arroxeadas, parecendo sinos, fascinam na paisagem pelo colorido denso e original, avistado de longe, e pelo tapete inusitado que formam no chão, ao serem derrubadas pelo vento. Eu adoro passar debaixo de um jacarandá florido. Chego a atrasar o passo, na esperança de que uma flor me caia na cabeça, feito uma dádiva cósmica.
Costumo associar, pela época de floração, o jacarandá mimoso ao signo de Escorpião. Um me remete ao outro. Essa leitura pessoal também se dá pelo mistério ligado ao tom da flor, um roxo azulado — ou seria violeta e mesmo lilás? Cores de conotações mágicas e profundas, tudo a ver com o signo em questão. Na atmosfera misteriosa e nevoenta que Vitor Ramil tece na canção Ramilonga, falando de Porto Alegre, o verso “ruas da flor lilás” se refere aos jacarandás floridos, exuberantes nas vias da Capital e menos nas de Caxias do Sul.
A potência da floração do jacarandá é tanta que, para tal, a árvore despe-se das folhas no inverno, deixando os galhos livres para o espetáculo do lilás primaveril. Tudo intenso, feito Escorpião! E no ciclo de vida e morte da existência, as flores se vão com o calor do verão e os frutos chegam no outono. Estes, igualmente misteriosos, em forma de conchas, se abrem para que o vento leve adiante as sementes levíssimas. No inverno, também gosto de pisar nas cascas duras dos frutos no chão, somente para ouvir o estalo da quebra, o som a avisar do tempo das coisas e da urdidura secreta da vindoura floração.
Como Escorpião é o signo das camadas insuspeitas que se ocultam sob a superfície das coisas vivas, preciso confessar que meu amor pelos jacarandás mimosos vai além do efeito estético de seu espetáculo natural. Essa árvore em flor marca minha chegada para viver em Caxias do Sul, há exatos 31 anos, completados neste 18 de novembro. Vindo da Bahia, onde não há os subtropicais jacarandás mimosos, fui fisgado logo no desembarque, em Porto Alegre, por túneis lilases em algumas ruas. Como não ver naquilo belas alvíssaras?
De lá para cá, após dezenas de invernos, sempre louvo o despontar dos primeiros tons de lilás na copa dos jacarandás. Sinal de que mais um ano se passou em minha vida caxiense e sulina. Sim, é como um ano novo muito particular. Celebro baixinho, sempre agradeço. Rememoro a velha cena primordial de descer do avião com uma mochila nas costas e uma máquina de escrever como bagagem de mão. No peito, havia uma enorme vontade de me reinventar, de experimentar o que eu não conhecia, de entregar-me ao mistério puro da vida. Nas ruas, aquelas árvores então inéditas, com suas fantásticas copas lilases. Flores que se ligaram para sempre ao meu sonho juvenil.
Do apartamento onde hoje moro, vejo um belíssimo jacarandá florido. Sempre que o espio, e o saúdo como a um velho amigo, evoco vários outros que foram desaparecendo de certas ruas caxienses. Que pena. Mas a vida é assim, ensina o realista Escorpião: corta, tira, mata, mas também força o emergir do novo, lapida o eterno, endurece nosso couro para sustentar o melhor de nós. E o melhor é sempre a essência, a seiva que vai garantir uma nova floração. Então, me cabe aqui, neste simbólico aniversário, agradecer ao Rio Grande, a Caxias do Sul e a tanta e tanta gente que me trouxeram ao que sou. Aos leitores, vai um buquê lilás de flores de jacarandá.