O Sol já transita em Câncer, e neste sábado se celebra São João. Esses dois eventos, um cósmico e outro cultural, se entrelaçam no Brasil nas cores e ritmos da mais importante das tais festas juninas. A fogueira de São João tem muito a contar sobre o ordenamento das atividades humanas a partir de ciclos celestes. Se no hemisfério norte reportava aos ritos de começo do verão, por aqui a tradição herdada dos colonizadores portugueses ressignificou o antigo fogo sagrado – já devidamente cristianizado – para o contexto do inverno e da noite mais longa do ano que o inicia.
Mais que um contraponto luminoso e festivo à estação invernal, a festa de São João termina por validar a temporada canceriana como a de reforço dos vínculos ancestrais e das tradições. Onde foi mais marcante a dita colonização portuguesa, como no Nordeste do país, o São João é a mais aguardada das festas. Embora o Carnaval seja até mais divulgado, o evento mais inclusivo, aquele que agrada de adultos a crianças, é o festejo a São João. É quando a regra é viajar para o interior, rumo às cidades de origem ou aonde as celebrações juninas ainda mantenham seu viço mais puro. É um resgate do mundo rural, mais ingênuo.
Quem deixa o Nordeste para viver em regiões com outras matrizes culturais certamente lamentará o quase desprezo às tradições juninas, reduzidas acolá a folclóricas encenações escolares. Ah, no Nordeste é lei que as escolas deem férias antes do São João, cujo dia é feriado. Não há nessa observação, contudo, um julgamento de valor. Essa crônica de afetivo sabor canceriano quer mais é buscar na memória luzes que revelem a grandeza cultural do nosso país. Em vez de me gabar com o “lá é mais animado e leve”, quero mais é propor o “conheça pela diferença o brilho variado do que somos”.
Fogueiras, bandeirolas, rojões, foguetes e baião? Sim, mas o São João nordestino também evoca o jenipapo. Na canção Jenipapo Absoluto, Caetano Veloso traduz em poesia a singularidade junina: “Praias, paixões fevereiras / Não dizem o que junhos de fumaça e frio / Onde e quando é jenipapo absoluto / Meu pai, seu tanino, seu mel”. Caetano é leonino, mas tem no mapa Vênus e Júpiter conjuntos em Câncer, no setor da origem. Fundir o tanino e o mel do jenipapo para evocar memórias familiares é uma chave poética canceriana exemplar. Ao menos na Bahia, o licor de jenipapo é obrigatório nos festejos de junho. Em toda casa tem.
Ah, você nunca viu nem comeu jenipapo! Então, aqui cabe um Google rápido. Fruto do jenipapeiro, árvore nativa da América tropical e presente em boa parte do Brasil, o jenipapo tem cheiro e sabor fortes e únicos. Por conta desse impacto sensorial, muita gente não gosta. Da polpa marrom, comestível ao natural, resultam variados doces, além do licor. Minha mãe sempre fazia o licor, deixando-o de infusão de um ano para o outro. A dosagem exata de fruta, cachaça, açúcar e tempo de preparo é o segredo dessa bebida. Ih, meu primeiro porre na vida foi de licor de jenipapo! Felizmente, não fiquei traumatizado. Ainda amo o licor.
E o mesmo fruto que reina absoluto nas festas juninas é usado, ainda verde, para pintura corporal entre os indígenas. Em guarani, jenipapo quer dizer ‘fruta que serve para pintar”. Cascas do caule, ricas em tanino, são empregadas em curtumes. Ai, meu São João do carneirinho, que poderosa fruta é o jenipapo! Que rico país este em que o jenipapo exalta junho! E que linda história do Brasil surge da relação cultural do país com suas frutas.