Nas escolas de décadas atrás, o primeiro decoreba era: quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral, no dia 22 de abril de 1500. Muito antes de se tornar um país independente e virginiano, em 7 de setembro de 1822, o Brasil fora encontrado pelos portugueses sob o signo de Touro. E por mais de três séculos, a terrena vibração taurina deu o tom central da história dessa fértil e rica colônia portuguesa.
Já na carta que o escrivão Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei, relatando a feliz descoberta no calor da hora, a paisagem natural ganhava tintas de esplendor. A terra, “muito chã e muito formosa”, “de muito bons ares”, com arvoredos “muito numerosos e grandes – e de infinitas espécies”, embasava o célebre vaticínio: “E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por causa das águas que tem”. Só faltaria encontrar ouro e prata, os metais que fariam de Portugal a maior das nações.
E o povo da nova terra? Não poderia ser mais taurino. Caminha descreve os indígenas entre a mansidão, a simpatia e a beleza. A nudez natural dos nativos foi um choque: “Não fazem o menor caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto”. E o visual exótico ao olhar europeu? Cocares, adereços, pinturas no rosto e no corpo, cabelos tosquiados em simetria... E dançaram ao som da gaita tocada por um marinheiro na praia! O escrivão Caminha, então, pede ao rei que cuide de salvar aquelas almas, convertendo-as sem demora à fé católica.
No céu desse mapa celeste inicial do Brasil, Saturno, planeta das estruturas, também se encontrava em Touro. O primeiro modelo de administração adotado pela Coroa portuguesa envolveu fatiar a extensa região colonial em capitanias e doá-las a certos nobres. Da extração primeira do pau-brasil ao longo ciclo da cana-de-açúcar, o trabalho pesado necessário significou o extermínio dos nativos e a escravização de negros africanos. Tudo para glória dos novos donos da terra.
O vertical sistema de capitanias hereditárias não deu certo no todo, sabemos, mas sua estrutura moldou por aqui duradouras práticas nefastas, ainda a afetar da política aos comportamentos. Até hoje, o Estado costuma virar patrimônio pessoal de uma elite cercada de privilégios que detém o poder. Usar a máquina pública em benefício pessoal é quase regra.
Touro é um signo resistente a mudanças. Por ironia astrológica ou histórica, no mapa do Brasil independente, Saturno estava em Touro outra vez. Tanto que a Independência não alterou o modelo econômico colonial sustentado pelo latifúndio e pela escravidão. Mesmo o voto, como indicador da participação ampla da população na política nacional, por muito tempo foi privilégio da velha elite.
Agora o país completa 523 anos desde sua primeira ocupação pelos brancos sem que certos aleijões estruturais deem sinal de acabar. Dizimar indígenas, chicotear negros e fazer uso pessoal do que é coletivo seguem como temas corriqueiros no noticiário.
Embora Saturno tenda a cristalizações, reforçadas, no caso, pela dinâmica conservadora de Touro, isso não significa um destino. Saturno também indica onde deve haver um esforço continuado de construção para a melhor expressão do mapa. No atual mapa do Brasil, esse posicionamento se reflete na área da educação fundamental, a chamada terceira casa. Assim, se temos um país em que a educação deficiente sempre foi um entrave à cidadania, convém lembrar que esse mesmo país já deu ao mundo o genial educador Paulo Freire.