O rádio do táxi sintonizava uma estação de música sertaneja. Não gosto do gênero, mas aproveitei o trajeto para prestar atenção nas canções. Nunca é tarde para ampliar o gosto, pensei. E se esse é o estilo musical mais consumido no Brasil, vale o esforço de ser receptivo a ele, nem que seja para entender o que se passa na alma do povo. Uma, duas, três músicas, e vinha a impressão de que as melodias eram quase iguais. Todas as letras falavam de abandonos, traições, uísque, cerveja. O tom do canto era invariavelmente lacrimoso, vitimado. Ok, tentei, mas cheguei ao meu destino sem alterar o tamanho de minha rejeição.
Não adianta, o sertanejo dito universitário não me toca. Como tenho a Lua em Touro, um dos signos mais musicais do zodíaco, fico a buscar o porquê de o meu santo não bater com a trilha sertaneja. Não é pela estética simplória, pois não tenho problemas em assumir que adoro muitos artistas rotulados de bregas. Tampouco é pela sofrência derramada, já que também costumo curtir dores de cotovelo e assemelhadas ao som de canções de cortar os pulsos. Nem é pelo aspecto massivo e industrial dessa cultura – já surfei de boas em outras ondas, pinçando pérolas nas inundações mercadológicas do rock nacional, do axé e do pagode.
Por que com o moderno sertanejo empaco que nem um boi amuado? Minha taurina Lua, forjada em paisagem interiorana, desde cedo se comove com a música do campo. Amo a pura evocação caipira, choro ouvindo Pena Branca e Xavantinho, curto os rocks rurais e as fusões entre temáticas campeiras e urbanas feitas por bambas como Renato Teixeira. Se o sertanejo universitário bebe nessa fonte, se é uma atualização dessa matriz ao contexto das redes sociais e da era do narcisismo, no mínimo era para eu ter algumas canções de estimação. Mas não. Zero sertanejo universitário em minha discoteca.
Eia, boi, o que te empaca, afinal? Hum, talvez seja preconceito e tenha um fundo ideológico. A ascensão do sertanejo universitário está conectada à do agronegócio. Tanto que os estados que se tornaram celeiros da soja também são berços de muitos astros sertanejos. Numa leitura imediata, e assumidamente preconceituosa, associo o gênero musical dali à monocultura – sempre complicada, ao sufocar outras manifestações – e à condição transgênica, qual um expressão fabricada e antinatural. Sim, sempre vejo esses artistas como fabricados.
A elite econômica e política que emergiu desse contexto, com seu pensamento ultraconservador e neoliberal ao extremo, também soa contrária às utopias que me nutrem. Aí jogo fora o bebê com a água do banho – e não quero nem ouvir quem supostamente defenda tais valores. É uma reação estúpida, admito, porque trai exatamente a inclusiva postura tropicalista que defendo. O movimento tropicalista pregava a liberdade de criar, sem amarras ideológicas. Era para eu poder gostar de Chico Buarque e Luan Santana, sem problemas. Era.
Como não sei ao certo por que o sertanejo não me desce, fico entre as meras implicâncias. Implico, por exemplo, com a audácia de uma dupla se chamar João Bosco e Vinícius, como se não houvesse desde muito antes mestres da MPB com esses nomes. Implico até com o tal Gusttavo Lima, cujo nome de batismo é – veja só! – Nivaldo, mas o renegou, alegando que jamais faria sucesso com esse nome. Ah, aí o ranço vira pessoal. E então eu te desprezo de volta, seu Gusttavo com dois tês! Vá cantar longe de mim!
Ai, ai, Touro, signo dos sentidos: no fundo, são mesmo inexplicáveis as motivações do gosto.