A ocasião pede abertura musical. Ouçamos a linda toada Minha Mãe, cantada também lindamente em dueto por Gal Costa e Maria Bethânia: “Quando eu fico muito triste / Eu pego a fotografia da minha mãe / E aperto bem forte no meu peito / Minhas mãos param de tremer / Segurando a fotografia / E meu coração bate mais forte / Mas não é mais uma dor que eu sinto / Eu me transformo / Possuído de alegria, que invade a mim / E todo esse recinto / E que não tem explicação / E eu choro de alegria / Rezando aos pés de Nossa Senhora Aparecida / Minha mãe me deu a vida / E sempre ela me dará a vida”.
Essa letra vem de um poema de Jorge Mautner, que se inspirou nas mães das duas cantoras, Dona Mariah e Dona Canô, com quem ele conviveu. Os versos evocam o mistério do amor materno, essa força inexplicável, por isso tornada sagrada, capaz de reavivar-se em proteção e conforto para além da existência real das mães. A magia de a mulher preparar outra pessoa, como diria o Caetano, parece trazer em si o poder de fazer a vida sempre se gerar ou se regenerar. “Minha mãe me deu a vida e sempre ela me dará a vida”.
A canção se impôs na abertura dessa crônica logo que vi a data em que seria publicada – a mesma em que deixei o ventre gerador de minha mãe. Espio a fotografia dela em cima do aparador na sala. Ela aparece a dançar com meu pai, rosto com rosto, na festa dos 80 anos dela. Ambos partiram desse plano aos 86 anos, como num amoroso pacto. E não faz muito que a mãe se foi. Ainda me espanto de não ouvir mais, a cada aniversário, aquela antiga história de ela ter me entregue aos cuidados de Nossa Senhora. Mães têm linha direta com o sagrado!
Contava ela que, preocupada com minha súbita imobilidade em seu útero, nos últimos dias da gestação, fizera uma promessa a Nossa Senhora das Graças: se eu nascesse vivo e perfeito, mandaria estourar três foguetes, como anúncio público de sua gratidão. Meu pai não soube disso. Os foguetes foram encomendados ao compadre Antônio Fogueteiro – coisa comum em tempos juninos na Bahia – e escondidos embaixo da cama. Quando enfim chorei, na hora mais noturna dos sete partos de minha mãe, e ela conferiu que estava tudo bem, pediu ao marido que tocasse os tais foguetes, não sem antes ter me recomendado à mãe divina.
Minha vaidade infantil adorava essa história de ter sido motivo de foguetes e proteções ao nascer. A vida cedo me lançou para terras distantes da minha mãe. E ela nunca se cansava de repetir que, embora longe dela, eu sempre estaria sob a guarda sagrada da mãe maior. Ah, como duvidar de uma palavra de mãe? De um acordo de mãe com uma mãe suprema? É por isso que, hoje, entristecido pela noite interminável no céu do meu país, olho a fotografia da minha mãe e, como na canção, sinto meu coração bater mais forte.
É, mãe, preciso de um tanto da fé que te guiou por toda a vida. Ando cansado da crua realidade, noturno demais nos pensamentos. A noite mais longa do ano logo se fará literal, com o começo do inverno, nesta terça-feira. Mas – foguetes no ar! – começa também ali o signo de Câncer, o signo das mães e da proteção, de afetos e memórias, de acalantos e fotografias, de vínculos eternos com a substância nutridora que chamamos de alma.
Sim, enquanto houver mães, haverá amor. Imaginemos todas as mães que já viraram estrelas, juntas, a velar por nós, no alto céu, ao lado da mãe do Brasil, Nossa Senhora Aparecida. E não duvidemos: a vida há de triunfar, apesar desse breu.