Segue tumultuado o céu de Gêmeos. Eclipses expõem as luzes e sombras que envolvem os fatos, enquanto estes, sob a retrogradação de Mercúrio em tensão com Netuno, se desdobram em novas composições, qual um alucinado caleidoscópio, entre ditos, desditos e truques retóricos. Observo imagens desse videoclipe sem nexo: há nelas uma ou duas serpentes? E o que têm a ver serpentes com essa história? Pois bem, sem contar o serpentário do mal por detrás da tragédia de erros que vivemos, urge saber quantas serpentes simbólicas orientam certas figuras supostamente sanadoras.
Na astrologia, a saúde é tema central do signo de Virgem, regido, assim como Gêmeos, por Mercúrio, ora envolvido em confusas brumas. Mercúrio é associado ao homônimo deus mensageiro (o Hermes grego), por sua vez identificado pelo bastão que carregava. Chamado de caduceu, tal bastão trazia duas serpentes enroladas simetricamente, de baixo para cima, onde se abria um par de asas. Segundo o Dicionário de Símbolos de Chevalier e Gheerbrant, o caduceu ilustra o equilíbrio das polaridades simbolizadas pela serpente – a benéfica e a maléfica. O cetro do mensageiro dos deuses ressaltaria seu poder e autodomínio “tanto no plano dos instintos (serpentes) quanto no nível do espírito (asas)”.
No entanto, da antiguidade aos nossos dias, esse símbolo de integração e alquimia foi perdendo suas nuances mais transcendentes, talvez pela materialidade redutora que nos envolve. O caduceu mercuriano desvinculou-se do poder mágico de equilibrar mundos opostos dentro e fora do homem. Hoje, costuma simbolizar agremiações comerciais e a própria contabilidade, dando conta somente das facetas terrestres do deus que fundiu seu nome na grafia de palavras como mercado e mercadoria.
Mas há um outro caduceu mítico: o do deus da medicina, Asclépio, ou Esculápio, com apenas uma serpente enrolada no bastão, sem as asas no topo. Filho de Apolo, o deus solar que presidia as pestes e também as curas, Asclépio tornou-se um curador tão extraordinário, a ponto de ressuscitar os mortos. Como isso violava a ordem natural, foi fulminado por Zeus com um raio, mas virou divindade. Nos santuários gregos de Asclépio, onde as serpentes sagradas circulavam livremente, o doente precisava dormir no templo, para que o deus viesse em sonhos e revelasse ou promovesse a cura. Por essa dimensão onírica e subjetiva da cura, conforme Chevalier e Gheerbrant, o caduceu de Asclépio seria “o símbolo privilegiado do equilíbrio psicossomático”.
Note-se que também o caduceu de Asclépio foi reduzido em sua simbologia original, vide a fragmentação do saber médico em especialidades e o seu afastamento das realidades psíquicas e espirituais. E há outro problema. Embora o caduceu com uma só serpente figure no emblema da Organização Mundial de Saúde, o caduceu de Mercúrio, com duas serpentes, representa algumas entidades médicas, principalmente nos Estados Unidos. Esse equívoco
deixa os puristas irados, ao verem a alta ciência da medicina ligada à simbologia do mercado – no fim, um lucrativo casamento praticado por muitos e por certos planos de saúde.
Além da saúde, outro tema de Virgem (signo do Brasil) é o trabalho. Por isso, nesse caos presente, urge separar a razão dos delírios que submetem a saúde e a vida aos ditames de um mercado soberano. Identificar se uma ou duas serpentes motivam pessoas ou entidades na lida da pandemia já é um bom diagnóstico dos venenos a serem expurgados para uma cura mais ampla do país.