Sob o atual movimento retrógrado de Mercúrio por Gêmeos, nem quero insistir nos alertas de narrativas falsas e seus perigosos derivados, como as mentiras e distorções. Quero mais é buscar no passado, seguindo o tom revisionista da retrogradação do planeta, narrativas que, com suas muitas camadas de significados (como apraz a Gêmeos), possam iluminar questões presentes. Viajo, então, ao século VI a.C., à velha Grécia, rumo às fábulas escritas pelo famoso Esopo. A longevidade dessas antigas historietas envolvendo animais se explica pelo retrato alegórico que fazem de situações comuns aos humanos de qualquer época. Fui lendo-as a esmo, e não é que reconheci a moral delas em nosso moderno sistema de comunicação e nas posturas sociais?
Numa das fábulas, um cabrito, do alto da janela de casa, vê um lobo passar na estrada e se põe a insultá-lo com as piores palavras. Sem poder reagir, o lobo lhe diz a verdade: o insulto só se dava pelo lugar seguro em que se achava o cabrito. Pois certas valentias sempre dependem do grau de segurança do agressor. É o que acontece nas bolhas da internet. Sob a proteção de um distanciamento físico e de algum anonimato, a covardia costuma mostrar os dentes em ofensas que jamais teriam lugar diante do outro, na real.
Noutra história, um asno vestiu uma pele de leão e começou a tocar o terror entre os animais. Ao encontrar uma raposa, caprichou no urro leonino. Mas a raposa o tinha visto zurrar antes, quando ele pensava estar sozinho na floresta. E o asno foi vergonhosamente desmascarado. A moral da história diz que toda fantasia de identidade termina sendo traída pelo próprio discurso do fingidor. Aqui e agora, outra vez no mundo virtual, não chega a ser divertido perceber a verdade de certas imposturas sociais somente pelo tom tosco do verbo do declarante?
Esopo parecia gostar dessa imagem do asno em pele de leão, pois a repetiu em outras fábulas. Como na do asno que, travestido, espalhava o medo, até que um forte vento levou embora a pele do rei dos animais. Resultado: foi surrado sem piedade pelos outros bichos. O autor reflete: zombaria e perigo aguardam o pobre que imita os ricos. Hoje, numa leitura também classista, podemos pensar na burrice que é adotar um estilo de vida que não é o seu, como também podemos evocar a asneira de o humilhado adotar a ideologia do opressor. A porrada final é sempre impiedosa.
Ainda sobre identidades falsas, um gato ficou sabendo que as galinhas de certo galinheiro andavam doentes. Passando-se por médico, o gato chegou mansinho e solícito, perguntando às galinhas como estavam passando. E estas responderam que ficariam ótimas se o gatuno desse o fora dali. A moral da fábula conta que um homem mau, por mais bonzinho que pareça,
não engana jamais o homem sensato. E dá a letra para tantos que apostam em salvadores cujas vidas pregressas ou secretas revelam somente gatunices em causa própria.
E tem a fábula do cão que atravessava uma ponte com um naco de carne entre os dentes. Ao ver seu reflexo na água do rio, pensando mirar outro cão, abriu a boca, rosnou furioso e quis pegar a carne do outro, que imaginou ser maior que a sua. Mas o rio fez afundar a carne derrubada, e o cão ficou sem nada. Ah, o que dizer da inveja e da ambição de querer sempre o que o outro tem? Diante de tantos desejos forjados pelas vitrines do consumismo, convém estarmos atentos para o que realmente necessitamos.
Pronto: fábulas recontadas, reflexões a fazer. E quem quiser que conte outras.