Tem dias que nada parece fazer sentido e, justamente por isso, me faz entender como nada é o que parece. Ou, nem sempre.
Dispenso alucinógenos de toda a espécie, incluindo os ritos religiosos. Se é pra viajar eu prefiro a estrada vazia, uma música docemente estranha ressoando no carro, o sol se pondo lentamente e ao lado de quem chamo por “meu amor”. O resto? O resto a gente encontra nas prateleiras do supermercado.
Há dias não escrevia nada. Absolutamente nada. Nada além de recados para grudar no picolé que está no congelador. Aí fui encarar a estrada. Bendita salvaguarda. Estrada guia. Não é o cheiro do asfalto, muito menos da combustão da gasolina que me provoca alucinações. Nem mesmo a Björk sussurrando ao pé do ouvido. É a travessia.
Mesmo que de um lado ao outro, rumando aparentemente sem destino eu chegasse na outra ponta da estrada do mesmo jeito. Quem sabe um pouco mais velho, careca e de barba grisalha, afinal de contas, o tempo é inexorável.
Nunca é a estrada. Transformador é o trajeto. E as companhias pelo caminho.
A estrada exerce um fascínio sobre as pessoas. Mesmo quem despiste ou negue. Mesmo quem não reconheça como um bálsamo essa estranha sensação de enfrentar a solitude estrada afora. A cada travessia, por mais curta a distância, nos conduz para uma nova dimensão.
Parece papo de doido, eu te entendo, mas vai além, tu sabes. Tipo, já fizeste uma viagem sem pressa, aproveitando todas as surpresas que o caminho oferece?
Sem pressa é possível curtir a paisagem na contramão do tempo que nos exige diariamente a acelerar. Viajar sem pressa nos brinda com lugares mágicos para uma boa parada. Porque à beira de um vale verde ou de um mar infinito, reconhecemos o quanto somos insignificantes. O quanto somos pó. Num clique, fim, the end.
A morte há de nos encontrar, mais cedo ou mais tarde, num desfiladeiro qualquer. É inevitável. Até porque, a imortalidade seria um tédio.
Enquanto isso, enquanto a morte não vem, pé na estrada.