Tudo vai bem. Dizem. Com geada até na primavera, inclusive.
Depois da pandemia, o sonho dourado de uma sociedade mais justa, plural, livre, respeitosa, empática e sociável tem pulverizado todas as nações. As pragas e guerras têm cessado, as lavouras estão livres de agrotóxicos, a paz reina até no trânsito, onde pedestres podem atravessar a rua sem se preocupar com atropelamentos relâmpago.
Pois é, quem diria que depois das tempestades e da incessante chuva de maio, todo esse clima de acolhimento, amorosidade, amparo e empatia – que brotou e floresceu com ternura durante a pandemia de covid-19 –, se sobressaísse ainda mais, não é?
Isso explica esse envolvente perfume de alfazema (e alecrim dourado) no ar. Aliás, a qualidade do ar nunca esteve tão límpida. Potente, capaz até de rejuvenescer nossos pulmões. Quem diria, conforme avançamos rumo ao ano 2030 – é logo ali, dobrando o cabo da Boa Esperança – mais perto ficamos de conquistarmos o patamar de uma sociedade classe A+.
Tem uma simples analogia pra entender em que estágio estamos na escala evolutiva rumo ao nirvana absoluto ou ao paraíso na terra, como queiram. Pensa num aluno que começa o ano letivo no fundão. O cara é só blá-blá-blá, não presta atenção na professora, não sabe sequer qual é a disciplina do próximo horário, está mais preocupado em socializar do que absorver conhecimento. Esse comportamento, infelizmente, o impede de construir pontes entre o zero absoluto e a ativação neural plena.
Enfim, conforme o ano passa, por conta das dificuldades decorrentes da falta de entendimento dos conteúdos anteriores, e por causa do péssimo resultado do primeiro semestre, o aluno passa então a rever seus conceitos. Consciente do seu papel no mundo, mesmo que tenha sido na base da dor e da angústia de um futuro inexistente, ele fecha os olhos para as distrações terrenas e passa a focar em estudar, tirando dúvidas e solicitando exercícios extras ao corpo docente da escola – de todas as disciplinas.
O resultado, ao cabo e ao fim deste hipotético ano da analogia escolar, é a superação desse aluno, sendo aprovado com louvor, virando exemplo ao demais colegas, recebendo o selo “aluno resiliente”, afinal de contas, se trata de um típico cidadão dessa nova geração rumo ao nirvana supremo, a geração A+ Plus Super Ultra Blaster.
Sendo assim, plenamente capaz de equilibrar o raciocínio lógico com a nobreza da inteligência emocional, o aluno se torna um jovem adulto com recursos para praticar as lições desse mundo pós-catástrofes, de pandemias, pragas, guerras e cataclismas. Tudo isso rumo ao nirvana supremo A+ ou do paraíso na terra, como queiram.
Certa vez, Clarice Lispector escreveu a crônica “Eu sei o que é primavera”. Querida Clarice, em 2024 já não sabemos mais quem é essa tal de primavera. Porque em novembro faz frio com geada e calor dos infernos. Tudo junto e misturado. O resto é só um tedioso devaneio.