O amigo e colega Ciro Fares lembrou-me na quarta-feira (1º), enquanto assistíamos a uma reportagem na tevê sobre os 30 anos da morte do Ayrton Senna, que, no mesmo ano, dias depois, morreu o poeta e jornalista Mario Quintana. O escritor alegretense (assim como o Ciro), ficou à sombra da comoção nacional em torno do piloto de Fórmula 1. Menos no Rio Grande do Sul. Na época, o Estado decretou luto oficial de três dias, a partir de 5 de maio, data de sua morte.
Nesses dias cinzentos, de tormentas e enxurradas, quando as mazelas sociais ficam ainda mais expostas como cicatrizes incuráveis, recorrer à poética do Quintana talvez seja o alento, o sopro de vigor de que precisamos. A poesia não tem o poder de controlar tempestades e tornados. Tampouco proteger os desvalidos, os sem teto, cujas casas foram arrastadas pela força intempestiva das águas dos rios. Contudo, aos poetas cabe o árduo ofício de tecer versos para suplantar a dor.
No poema Emergência, propício para esta quinta-feira (2), enquanto ainda ressoam as notícias que deságuam no nosso peito, Quintana escreve:
Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo –
para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.
O querido Quintana, cujo olhar terno e sempre difuso, atento ao cotidiano comezinho, das pequenas banalidades em que todos nós tropeçamos, às reflexões filosóficas perenes e que atravessam gerações, definiu assim o sentido da poética:
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…
Helena Quintana, sobrinha do poeta, dizia que o autor sonhava viver até os 94 anos para assistir a entrada do século 21. Quintana não resistiu, mas rompeu os limites do tempo e do espaço com a sua poesia.
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
Um poeta que escreve “eles passarão, eu passarinho”, voa e nunca morre.