Cultivo três habilidades. Não necessariamente nesta ordem. Mas, lá vai: ler, dormir e lavar a louça.
Como assim ler? Então, não se trata do que ler. Não cito isso porque acho interessante o que leio. Pois leio de tudo. Desde a bula do remédio, de cabo a rabo. Leio o rótulo da pasta dental no supermercado. Leio a procedência nos rótulos dos vinhos, quero entender a diferença entre reserva e reservado. Compro quase sempre suco de laranja integral e respeitar a data de validade é primordial. Leio sentado, deitado, almoçando, no trabalho (pois é, me pagam também pra ler). Leio com e sem sono. Leio vendo televisão e ouvido música. Leio por compulsão mesmo. Leio até os alvarás e as datas de inspeção nos elevadores, só pra garantir que ainda estejam vigentes. Eu disse que é compulsão.
Bem, sobre dormir não há muito o que dizer. Mas posso dar alguns exemplos. Durmo no carro da firma, em trajetos curtos como do Centro de Caxias até o bairro Cruzeiro, por exemplo. Não precisa ser uma viagem de Caxias a Bento ou Caxias a São Chico. Durmo também sentado no sofá (não necessariamente deitado). Privado da sesta após o almoço, quando posso, reservo um tempo entre a chegada do trabalho e o jantar, pra sestear. Dizem que faz bem à saúde. Sesta é no máximo 20 a 30 minutos. Mais do que isso é sono atrasado. Durmo pouco. Salvo raros momentos de um certo profundo desfalecimento, durmo em média 6h, por dia. Durmo em rede, cadeira de balanço, cama, sofá. Onde tiver um cantinho. Pratico esse hábito desde guri. E com desenvoltura.
Reconheço que das três excepcionais qualidades que cultivo, a mais polêmica, pra não dizer bizarra, é lavar a louça. Então, sabe aquela noitada de churrasco, com pilhas de pratos sujos, copos, talheres, sem falar da tábua de madeira e dos espetos? Quando a casa se esvazia, fico eu, ali, curtindo um bom som, sorvendo a última taça de vinho, em uma serenata com a louça. Eu e ela. Lavo cada peça, sem xingar, tranquilo, deixando escorrer toda gordura ralo adentro. No dia a dia, também é assim. Prefiro lavar a secar a louça. Secar é obra do ócio. Lavar é terapêutico. Tenho testemunhas que já me flagraram lavando a louça, em mais de uma ocasião, no Zarabatana Café, por exemplo. Só pelo prazer da companhia do meu amigo Jê, que estava empenhado em dar conta dos pedidos.
A vida, meus caros, poderia ser resumida a esses três prazeres: ler, dormir e lavar a louça. Afora isso, cada um tem o seu abismo de afazeres, quase nenhum deles satisfatório, que parecem usurpar e tragar as preciosas horas do nosso dia. Ou, pelo menos, surrupiar mais horas do que ler, dormir e lavar a louça exigem, porque, de fato, na maioria dos casos, o resto é um penoso fardo.