Vem logo ali um novo livro de poemas. Não vai falar de borboletinhas, nem do orifício do umbigo. É pungente, com versos impiedosos. Escritos com urgência, convertendo a dor em beleza, a aspereza em ternura, a candura em pecado.
Claro que não é um livro meu. Não tenho as tintas nem os versos pra pintar telas, tampouco pra fazer versos. A poesia é pra mim um estado de graça, é sublimação, é viver tão, tão distante desse plano astral e, ao mesmo tempo tão perto das raízes da árvore da vida. Tenho mais livros de poetas do que romancistas, acho que isso diz algo sobre mim.
Sobre o livro de poemas, é de uma poeta que versa a poesia quando fala e também quando só observa. É a poeta dos olhos da cor de outono. Cujo olhar transforma a cena mais banal, trivial, antissocial, em substrato poético. Poeta que não apenas escreve. Ela também incorpora a poesia em si mesma quando versa em voz alta.
Incorpora. Porque, uma coisa é ler um poema, a outra é deixar-se ser tomada pelo poema. Sinto que vem daí a força do que ela escreve. Não é um exercício de escrita, não é um jogo de palavras, não é uma narrativa (só pra usar um termo da moda). É um verso incorporado de poesia. Ouvi-la versar é sublime, não só porque reluzem os olhos da cor de outono. É difícil descrever. Mas quando ela versa em voz alta, é como se eu pudesse ver o poema dançar.
Pois é. Não vou contar aqui quem é ela. Mas posso dar uma pista, transcrevendo aqui um trecho do poema mais recente que ela postou nas redes sociais, com uma sugestiva fotografia de copas de árvores, com respiros de um céu azul da cor do mar. O poema não tem título, como a maioria dos que ela escreve:
não sabia morrer
e se morresse seria precipitação
num rompante
feito quem diz
eu te amo
num susto
Ou ainda, esse outro sobre uma certa Juanita:
ora, cada coisa em seu lugar
a uva, a vindima, o barril, o engarrafamento, o brinde...
é culpa do verniz, diz Juanita
é verniz demais
e brilho de menos
Pra quem ainda não descobriu, no final desse texto eu revelo quem é a poeta. E supondo pelo que já li dela até agora, talvez o poema a seguir pudesse ser o abre-alas do livro que está por vir:
eu, filha da inadequação
enquadrada pelo vão do mundo
retirante de mim
adotada pelo inconformismo
E por aí vai. Não é sina, é destino. Pra ela, versar é ressuscitar.
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A poeta é Nil Kremer. Autora de Kamikaze, lançado em Caxias do Sul, em 2016. Pra conhecer mais sobre a poética dela é só buscá-la no Instagram @nilkremer.