Sentado numa mesa de canto numa cafeteria central, logo cedo, folheando o famoso diário de integração regional, entre uma mordida no sanduíche de salame e queijo e uma bicada no chá preto, ouço uma conversa-fiada. Sete ou oito senhores, nenhum deles com hora pra nada, na maioria calvos, como eu. Ouço sem querer prestar atenção, desviando da coluna social, e tentando mergulhar na crônica Somos rios, da minha colega de coluna, a Adri Antunes.
— Tu viu que vai aumentar o preço do parquímetro?
— Quem disse?
— Li no Pioneiro, que agora tá com aquele guri ali.
— Aumentou muito?
— Dez por cento, tchó!
— Sacramenha, melhor deixar o carro em casa!
Mais um gole de chá preto, retomo o fôlego da leitura: “Mergulho e suporto o silêncio submerso de penetrar em meus próprios afluentes. Filetes de trajetos aquosos de pessoas que sonhavam com vidas que nunca saberei. Ancestrais”, escreve Adri.
— Ontem quase atropelei um pedestre.
— Onde?
— Ali na Sinimbu, perto da antiga Lavrale.
— Na Vereador Mário Pezzi?
— Isso. Má também, tava amarela a sinaleira pra mim, então dava tempo de passar.
— Olha, eu meto a buzina, nem que seja só pra dar um susto. Pensa se cada um resolvesse achar que só porque tá na faixa de pedestre pode atravessar?
— Daí vira bagunça.
Nova tentativa de mergulho “Ver um rio nascer é presenciar a intimidade silenciosa do mundo”. Porém, noutra mesa, duas professoras retrucavam a posição dos senhores. Percebi que eram professoras, pois carregavam pilhas de pastas e livros e pareciam cansadas apesar de ser terça-feira.
— Eu queria sugerir que alguém escrevesse uma crônica sobre o incrível caso da cidade onde os motoristas não usam o pisca, cortam a frente dos outros, não respeitam a via que trafegam, estacionam utilizando duas vagas... Isso é urgente!
— Guria, eu tava pensando nisso ontem... E os motoqueiros em ziguezague? Eu fico apavorada. Dia desses uma pessoa abriu a porta do carro, do caroneiro, e o motoqueiro arrebentou a porta, ouvi a paulada na esquina de cima.
— Ah, e se tiver caminhonete é ainda pior, porque se acham os donos da rua.
— Eu fico louca com essa falta de educação, falta de empatia. A faixa de segurança não significa nada em Caxias.
Volto a mergulhar na crônica: “Sento em silêncio e escuto as ressonâncias que me chegam de diferentes profundidades”. Sem fluir na poética-narrativa, ainda dividido entre as conversas cruzadas, lembro que dia desses quase fui atropelado, na esquina da Garibaldi com a Sinimbu. O semáforo fechou para os carros, esperei abrir o sinal verde dos pedestres e, assim que pus o primeiro pé na faixa de segurança, na Garibaldi, um carro passou a mil e fez uma curva inconsequente pra entrar na Sinimbu. Por um segundo, ou menos, eu nunca mais escreveria. Não nessa vida.
Terminei o chá e reli a abertura da crônica da Adri: “Pulo na piscina e mergulho num oceano. Que coisa sem nexo, dirão os pouca poesia”. E tudo isso, no Maio Amarelo, movimento internacional de conscientização pra redução de acidentes de trânsito, cujo tema deste ano, enfatiza, sem metáforas: “No trânsito, escolha a vida”.