Dia desses, num bate-papo que me fez esquecer que haviam duas câmeras apontadas pra mim, enquadrando cada movimento, palavra, gesto e silêncio, a jornalista Viviane Salvador me perguntou, respeitosamente, como me sentia nessa fase da vida, a caminho dos 50 anos. De bate-pronto, ri da pergunta e me vi sentado em uma bicicleta, careca ao vento, e disse a ela:
— Me sinto ladeira abaixo.
Rimos. Porque não resta nada a fazer contra os dias que se foram e muito menos a favor dos dias que ainda restam. Dias que podem ser anos ou até décadas e como não sei qual é a meta, não adianta dizer que desejaria dobrar essa meta. Pensei que despistaria a repórter, mas ela é sagaz e insistiu na questão. Não encontrando melhor resposta, recorri a uma metáfora. Mas , antes disso, lembrei de uma entrevista recente que fiz, por telefone, com a escritora Martha Medeiros. Ao final do bate-papo, que deveria ser de cinco a dez minutos, mas que se estendeu por quase 30, ela desatou a falar sobre como pontua seu cotidiano por meio da crônica, como uma forma de aproximar pessoas e lugares, como se estivesse viajando pela vida.
— No fundo, escrever é compartilhar viagens, é compartilhar viagens de um amor, é compartilhar viagens de uma dor, é compartilhar viagens de uma solidão, enfim... Até mesmo as viagens políticas...
Nesses trajetos de casa para o supermercado, passando pelo posto de gasolina porque o tanque está na reserva, depois pra redação do jornal pra fechar a coluna, um texto sobre um festival de cinema e essa crônica, leio reportagens sobre a investida de Lula e Bolsonaro na disputa pelo voto de evangélicos e católicos, e um texto sobre uma Arca de Noé construída nos Estados Unidos e que serve de aula prática para o deleite de criacionistas.
Escrevo enquanto ouço Cartola cantar “Se alguém por mim perguntar / Diga que eu só vou voltar / Depois que eu me encontrar” e penso que isso serve de epitáfio pro dia em que eu morrer. Mas, enquanto isso, como eu dizia pra Viviane, com a maturidade compreendi que nessa estrada da vida é melhor sentar no banco de trás pra contemplar a paisagem e as pessoas.
Essa história de acelerar, fazer ultrapassagens bruscas em meio a uma rodovia repleta de motoristas em seus veículos alucinados é o caminho mais curto pra viver menos. Contemplar a paisagem não significa deixar de pagar os boletos, nem mesmo deixar de abastecer o carro. Mas, talvez, isso impeça que eu morra de uma parada cardiorrespiratória fulminante, numa madrugada dessas em uma cama vazia.
Através da janela também há dissabores. Mas sem a raiva e tensão de quem vive acelerando, acredite.