Há quem leia porque a professora de Língua Portuguesa obriga. Nunca vi nenhum professor ou educador apontar uma arma na cabeça de uma criança ou adolescente, mas o discurso dos alunos é que “são obrigados a ler”. Nesse caso, ler é quase uma tortura, as frases parecem pesar mil toneladas, causando raiva, tédio e sono.
Mesmo depois da escola, depois do tempo em que os estudantes se sentem “obrigados a ler” tem gente que se diz liberta desse fardo. Mas e quem vai ao supermercado faz o quê? Não sei vocês, mas eu comparo os preços dos produtos concorrentes, analiso o custo desse e do outro fardo de papel higiênico. Calculo porque interpreto o que leio. E quanto ao rótulo? Só eu que leio, procurando a data de validade ou a composição por detrás da propaganda?
Esse assunto de supermercado assusta, eu sei. Os preços estão o olho da cara. Mas é no jornal que a gente pode encontrar textos com as explicações dessas oscilações. Mesmo as tabelas de preços comparativos, do sobe e desce da gasolina, por exemplo, seriam só números se não houvesse um texto justificando essa montanha-russa. Tá certo, eu sei que tem a turma da bagunça – que nem sempre era aquela do fundão da sala – que não lê, mas interpreta as notícias ao gosto do freguês. É estranho, mas se pode ler o mundo sem ler.
Não direi nenhuma novidade, mas as imagens também suscitam leituras. Ou vocês acreditam em Papai Noel, aquele dos comerciais de uma marca de refrigerante? E Coelhinho da Páscoa feito de chocolate? E quanto aos super-heróis? Vocês sabem que eles não existem, né? Tudo bem que tinha até candidato a deputado que se reconhecia como Wolverine, mas não é o mesmo das histórias em quadrinhos, tá? Desculpa aí, se feri sua imaginação. Os super-heróis, todos eles, nasceram para sugerir leituras de mundo.
Até mesmo a realização de um evento pode alimentar leituras. E prometo deixar mais à frente, para uma outra quinta-feira, as possíveis leituras que transbordam por conta da realização de uma Copa do Mundo em um país como o Catar, uma das mais ferrenhas ditaduras desse planeta, que, dentre outras coisas, submete as mulheres a uma espécie de sistema de tutela masculina que nega às mulheres o direito de tomar decisões importantes sobre suas vidas, ou ainda, que estabelece prisão de até três anos para homens que tenham um relacionamento, chamado por eles de sodomia.
Pra mim, ler é um estado de sublimação, é morar em um oásis, é encontrar um lugar de repouso. Me sinto um privilegiado, porque sou pago pra ler e escrever. Confesso que tenho um prazer inebriante de ler e reler as primeiras frases de livros que me arrebatam. Cito aqui três deles e os desafio a dizer quem são os autores:
“Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.
“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.
“O abismo da existência e o terror do infinito de estar vivo e de repente eles retornam à sua vida e para isso basta que o telefone toque no domingo pela manhã e então você tem de tomar decisões”.
Tudo é leitura, em todo o tempo. Viva a Feira do Livro de Caxias. Corre lá! Vai até domingo, na praça do poeta Dante Alighieri.