Nesses dias úmidos, às vésperas do inverno, a estação do rigor, do frio em sua máxima expressão, o musgo se delicia. Seja nos caules das árvores ou sobre as pedras, principalmente nas beiras dos rios. O musgo só precisa de umidade, sombra e água fresca. Algumas pessoas até utilizam o musgo para ornamentar jardins. O musgo está por aí e, mais do que isso, resiste, palavra que melhor o define, mas sequer lembramos que ele existe. E muitos dirão: não faz diferença na minha vida.
A história, narrada em livros, explicada em salas de aula, debatida em jantares entre amigos, ou tema de lives conspiratórias, sempre nos dá motivos para acreditar que aprenderemos a refutar a indiferença. Guerras de maior ou menor duração — civis ou militares —, genocídios, bombas nucleares, mísseis destruindo escolas, crianças empunhando armas, as pestes, as pandemias… E por aí vai.
“A dor dos outros é exigente, nos pede mais que compaixão, mais que o exercício breve da empatia”. Li ontem essa frase e acordei com ela na memória, não como uma breve lembrança de uma fruição literária. E, sim, como um bala a ricochetear dentro de mim. O autor é Julián Fuks, um jovem paulistano.
A frase consta no livro Lembremos do futuro, cujo subtítulo é autoexplicativo: Crônicas do tempo da morte do tempo. Escrito sob a tempestade da pandemia, vai além do tempo em que ficamos confinados dentro de casa, acreditando que o anjo da morte, disfarçado de covid-19, não ceifaria ninguém da nossa família.
Nem todos resistiram. Uns padeceram com fome, antes mesmo de serem alvejados pelo vírus. Outros ainda definham, porque perderam a via de sustento. E neste instante, enquanto o musgo recebe o orvalho gelado da madrugada, que logo cedo se transformará em geada, há uma porção de desvalidos — não apenas de recursos financeiros — a espera de um milagre.
“O tempo era só silêncio de coisa nenhuma”, escreveu Fuks, lá naquele tempo de picos da pandemia. Mas essa frase, atualizada para o presente — ou até mesmo para o futuro, como sugere o título do livro — tem muito a revelar sobre a essência da indiferença enraizada em cada um de nós, seres humanos.
Não importa se ainda estamos dentro ou fora do que se convencionou chamar de pandemia. Não há antídoto e sequer vacina para sublimar a dor da alma. Há dor e saudade nos que ficam e precisam enterrar entes queridos ou dor e desamparo nos que não têm pão à mesa. Enquanto se discutem pacotes econômicos, enquanto são revistas e debatidas teorias entre o estado mínimo e o máximo, o musgo resiste como pode, à procura de umidade, sombra e água fresca.
“Haverá uma história para contar quando tudo isso acabar?”, provoca Fuks.