Na esquina das ruas La Salle com a Sinimbu, um jovem vende milho. São pacotes contendo seis espigas por R$ 10. Pelo menos duas vezes por semana ele está ali, no semáforo, com seu carrinho de mão recheado de sacos de espiga de milho. Se bem que faz umas duas semanas que não o vejo... Dia desses, esqueci de pagar o parquímetro, entre o tempo de buscar minhas filhas na escola e recolher o bauru com tomate que encomendei no Tranquilo. Na volta, a controladora do estacionamento rotativo me disse que o jovem que vende milho havia pago para que eu não fosse multado.
Confesso que desconfiei da gentileza. Porque o normal, hoje em dia, é recebermos apunhaladas pelas costas, tiros a queima roupa ou tapas na cara. Por isso, desconfiei, perguntando ao vendedor de milho, que confirmou o pagamento exibindo o tíquete que guardava no bolso. Constrangido, paguei o dobro do que ele havia gasto para me salvar da multa que teria sido provocada por conta do meu desleixo. Passei a admirar esse cara e só não nos tornamos amigos, ainda, porque não tivemos tempo de sentar à mesa para tomar uma cerveja e jogar conversa fora.
Há muitos invisíveis como ele a andar pela cidade. Alguns puxam carrinhos com lixo a ser reciclado na bagagem, outros pedem uns trocados porque têm fome e sede, outros confessam que a grana é para tomar cachaça. Noutro dia, um deles negou a dita moedinha Mão Amiga, que troca a esmola por um “dinheiro” que vale um almoço, porque o rapaz tinha sede de pinga e não de comida. Pelo menos esse é mais sincero do que o candidato da última eleição, que prometia transformar lobos em cordeiros na base do arrependimento ajoelhados em genuflexórios.
Lembro de um senhor que não sei mais por onde anda. Ele sempre vestia chapéu e botas de vaqueiro ao estilo John Wayne. Andava pela madrugada, principalmente ali no entorno da Estação Férrea, arrastando um saco de lixo cheio de latinhas de alumínio vazias. Vez ou outra, antes de transitar entre os convivas por entre a noite veloz, ele passava no Zarabatana Café, ali no Centro de Cultura Ordovás, só para filar um cafezinho. E pensar que nos filmes de western os caras tomavam uísque de má qualidade e sem gelo. Mas o nosso John Wayne, que continua longe dos holofotes, só queria um aditivo para suportar mais uma noite de carga pesada, apesar de ser um cowboy sem cavalo e sem revólver.
E, no próximo domingo, dia 29, fará seis meses da morte da Viviane Borges dos Santos, a quem muitos chamavam de Vivi do Loló, mas que eu preferi batizar de Mulher Invisível. Não foi morte de bala perdida. Ela morreu na contramão. Contra a maré, contra a corrente, contra si mesma. No fim da página 310 de Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, um diálogo entre a mulher do médico e o médico resume essa crônica: “Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”. É isso.