A vida é clichê. Nossa luta diária, então, resume-se a inúmeras tentativas de escapar dessa atroz armadilha. Entre um amontoado daqui e dali de frases feitas, de pensamentos que reproduzimos há séculos, vez ou outra vai aparecer alguém pra bagunçar o coreto e, com classe, rasgar a cartilha e subverter a vida clichê.
Aí aparece um cara chamado Ludwig van Beethoven. Eis que, em 22 de dezembro de 1808, no Theater an der Wien, em Viena, capital da Áustria, o jovem compositor enfim estrearia a 5ª Sinfonia, acompanhado de uma orquestra. Hoje em dia, só à simples menção da 5ª Sinfonia é raro encontrar quem não vibre internamente com a imortal sequência de quatro acordes, tãn, tãn, tãn, tãnnn. Naquela época, Beethoven lutou contra tudo e todos, literalmente, nem mesmo os músicos da orquestra tinham interesse naquela obra que muitos julgaram de difícil assimilação. E foi só na segunda metade do Século 20, que a 5ª Sinfonia alcançou a posição de obra erudita mais conhecida em todo o mundo.
Beethoven foi um desses que bagunçou o coreto. E talvez tenha sido por isso que sofria, entre tantas enfermidades, de depressão profunda. Mas, se for sempre assim, de um artista ser considerado genial porque sofre de depressão, a armadilha do clichê seguirá fazendo mais vítimas. Então conheci a Isadora Hidalgo, de 14 anos, que estuda no 9º ano da Escola Municipal Giuseppe Garibaldi, em Caxias. Por volta dos 10 anos, ela foi estimulada pela professora de piano a tocar a 5ª Sinfonia. Por ter dificuldades de ler a partitura, aprendeu tudo de ouvido, cada nota, cada tema, reproduzindo das partes mais vibrantes às mais sutis, com dedicação, empenho e perfeição.
Eu não ia contar agora, mas a Isa é cega desde que nasceu. Clichê na idade dela, seria ela curtir a música da moda, entoada pela gurizada da idade dela, mas ela preferiu sublimar e não se contentar ao nível raso. Mas aí veio a pandemia e ela resolveu deixar de lado as aulas de piano erudito e passou a enxergar o mundo com mais atenção por meio das vozes do jornalismo. Aprendeu tudo sobre a covid-19, porque na sua casa sempre estavam se informando sobre isso, e também passou a prestar mais atenção ao seu clube do coração, o Grêmio, também conhecido como Imortal Tricolor.
Aliás, foi na pandemia, que a Isa, estimulada por um tio, resolveu criar um podcast e um blog de notícias chamado Recanto Tricolor. Ela não perde um jogo do Grêmio e diz preferir ouvir pela rádio porque, diferentemente da televisão, a narração é mais vibrante e com mais detalhes. No podcast, além da repercussão dos jogos, ela faz programas especiais com jogadores históricos e partidas importantes do clube. Nessas andanças chegou a conhecer até o Renato Portaluppi.
A Isa, rasgando a cartilha dos clichês, não precisa ver para enxergar uma partida de futebol. Diz que, na sua lista do que fazer quando crescer, ela quer ser repórter de beira de campo, pra poder viajar o Brasil todo, conhecendo estádios e clubes, se possível, para fazer reportagens sobre o Grêmio. E apesar de ter um doce e lindo sorriso com o qual ela brinda a vida, pelo que vem apresentando em campo, ela não acredita que o Grêmio vá subir pra série A ainda neste ano.