Há muitos que falam sem ter nada a dizer. Penso nisso, enquanto ouço uma velha música instrumental. Diz a lenda — que parece sempre ser maior do que a história —, que Francisco Tárrega foi um importante violonista espanhol, um revolucionário em uma nova forma de dedilhar o instrumento. Lágrima, uma de suas composições mais conhecidas, pode ser facilmente encontrada internet afora. Uma das versões mais recentes e singelas é da musicista australiana Stephanie Jones.
Mais do que uma harmonia doce e envolvente, os acordes respiram entre si em intervalos de silêncio. Pode parecer estranho, difuso e até antagônico, mas essa sonoridade é mais do que um antídoto, é uma arma contra o ruído lá de fora, não apenas da cidade em constante atrito, mas do contrito e trôpego caminhar das gentes que nem sempre sabem para onde estão indo. Lágrima nos devolve, então, a um estado de consciência e lucidez ímpares, como se fosse possível silenciar o discurso que cisma rasgar bênçãos e aniquilar virtudes.
Tem sido dolorida a travessia por estes mares de correntezas verborrágicas, que destilam veneno e cobiçam devorar as pessoas como se elas fossem comida de tubarão. Não fosse a poesia que verte em livros que escorregam das estantes, oferecendo-se à leitura, ou de uma sonoridade como a de Lágrima, que afaga e transborda de ternura, quase como se voltássemos ao ventre materno, a paisagem seria eternamente densa, como nesses dias frios e úmidos de neblina espessa que parece rasgar a nossa face.
Dissecar os rumos da vida é dar sentido às trôpegas linhas. É permitir-se verter em lágrimas, entregue a um poema de tirar o fôlego, da mesma forma que perdemos o chão por conta da fruição diante de uma tela em densas tintas, porque desvendar esse enigma abstrato é como descobrir um tesouro.
E tudo fica mais leve e mais sereno ao som de um violão solene, que se impõe, não como quem chuta uma porta, mas como quem põe ordem ao caos. Sobretudo ao som de um prelúdio como Lágrima. Há quem duvide, mas o dinheiro compra coisas, muitas tão inúteis quanto os sacos de lixo, que só servem para voltar ao lixo, enquanto a arte nos devolve à vida no mais profundo sentido de quem somos.
E, dentro do lixo, sem trilha sonora, a arte questiona por que humanos comem tomates desprezados até para servir de alimento aos porcos. No curta-metragem Ilha das Flores, de Jorge Furtado, é por meio da arte que somos levados a responder: Por que os humanos são divididos em categorias e alguns deles tratados como se fossem menos humanos do que os outros?
Por confronto ou afago, é a arte que nos devolve à condição de quem somos e por que fazemos o que fazemos. E há como responder sem lágrimas?