Poderia ser uma crônica esportiva. Melhor ainda, uma crônica sobre personagens heroicos que duelam dentro das quatro linhas. Uma crônica escrita com tintas dramáticas, talvez até em tom ufanista e patriótico, visto que é ano de Copa do Mundo. Porque assim são reconhecidos os jogadores de futebol, sobretudo aqueles que decidem partidas nos acréscimos, em uma jogada de gênio a pôr de joelhos os 11 oponentes, chorando como se fossem meninos que perderam o campeonato da escola.
Poderia ser sobre professores e professoras que trabalham horas a fio mesmo depois que se encerra o expediente, mesmo depois que o cartão-ponto (ou mesmo o livro-ponto) registra a saída da escola. Em qual universidade ou curso de magistério as professoras e os professores são instruídos a dar aula para turmas heterogêneas, com parte dos alunos que já sabe ler e escrever em uma mesma sala com outros semiletrados, em meio a uma porção que sequer diferencia letras de números?
Professores e professoras são heróis em um país que nem sempre valoriza a profissão. No entanto, a crônica de hoje é sobre um outro grupo igualmente heroico, quase invisível, que parece padecer de uma certa invisibilidade. Tanto é que nem sequer são alvo de estatística mais apurada. O último censo agropecuário no Brasil, realizado pelo IBGE, ocorreu em 2017 e, o próximo, só deve ocorrer em 2027, assegura Rudimar Menegotto, secretário da Agricultura de Caxias.
Segundo estimativa da Emater e da prefeitura de Caxias, cerca de 3,5 mil famílias trabalham diariamente para semear e extrair da terra os alimentos que nos mantêm vivos. É gente que trabalha sete dias por semana, do nascer ao pôr do sol, grande parte ainda cravando as unhas no solo, porque a tecnologia nem sempre está acessível a todos.
As mãos calejadas, a porção de suor e as lágrimas depositadas na terra, o esforço por tornar produtivo um solo pedregoso, a insistência em semear mesmo em um terreno íngreme e, apesar disso, não ter certeza do que será colhido meses ou anos depois do plantio, porque cada cultura tem um comportamento diferente e uma dependência maior ou menor do clima.
A estiagem, fruto dos últimos três anos de uma menor incidência de chuvas, não secou apenas a terra. Muitos agricultores viram suas economias minguar, sentiram no peito a dor não apenas pela perda de plantações, mas também viram seus terrenos ficarem áridos, quase desérticos. Há relatos daqui e dali, de fiéis que viraram noites rezando para que Deus derramasse dos céus a chuva para devolver vida à terra seca.
Agricultores são heróis, mesmo sem capa, fantasia, máscara ou superpoderes. Do fruto do seu trabalho provêm seu ganha-pão e a nossa sobrevivência.