Dentro da mais singela utopia, a literatura poderia salvar a humanidade. Poderia... Fosse assim tão simples, médicos, paramédicos, enfermeiros e farmacêuticos poderiam receitar ao vizinho, ao carteiro, à cartomante, ao fidalgo, ao ricaço e ao desvalido, para além das salas de aula, altas doses de literatura sem medida para que nossa mente pudesse ser nutrida em prosa e verso até a redenção do último terráqueo, até o último suspiro antes da explosão e desintegração do planeta Terra.
Se fosse assim tão simples, a ideia já teria sido aplicada desde que os primeiros homens e mulheres desenvolveram a linguagem, que vem antes da palavra escrita, com finalidade de se comunicar e estabelecer relações com menor probabilidade de conflito. Ok, e se a ideia fosse colocada em prática, quais livros de quais autores seriam os mais indicados e recomendados? Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Graciliano Ramos, Dostoiévski (e poderia um russo figurar na lista nessa hora de conflito?), Camões, Proust, Cortázar? Quem mais? E por quê? E até quando a humanidade suportaria apenas a literatura para a cura das dores do corpo e da alma?
Mas, como nem tudo são flores e ninguém mais tem tempo para perseguir uma borboleta e dessa jornada extrair poesia, nos resta o horror. Ou como escreveu o jornalista Paulo Francis: “Estamos sempre em guerra. Apenas não percebemos algumas...”.
Diariamente busco minhas filhas na escola. Diariamente enxergo crianças e adolescentes carregando mochilas cada vez mais pesadas. Diariamente voltam para casa e se debruçam nas tarefas. Raramente a literatura faz parte do cardápio da escola – da mesma forma que não fazia parte no meu tempo de escola. Sempre me respondem que a literatura faz parte da grade curricular, visto que há uma disciplina chamada Literatura. Da mesma forma que há livros de poesia à venda nas livrarias, mas sempre ficam no fundo das salas e na parte mais sorrateira das estantes.
E tudo isso para dizer que encontrei o livro que pode salvar a humanidade. Trata-se de um livro infantil. E quem disse que um texto para crianças não poderia salvar adultos? Seis homens, escrito e ilustrado por David McKee. De forma clássica, a obra assim inicia: “Era uma vez seis homens que viajavam pelo mundo em busca de um lugar onde pudessem viver e trabalhar em paz”.
Lá pelas tantas — contém spoiler — os seis homens resolveram que era preciso ter um exército para proteger seu território, porque “enquanto a riqueza aumentava, aumentavam também as preocupações”. Por medo, gastavam mais tempo subindo e descendo da torre, de onde poderiam vigiar, do que trabalhando.
E nem é preciso muito esforço para saber que tudo convergiu para uma guerra sem precedentes. E no final das contas, tudo se resume a uma das frases xeque-mate na obra de Clarice Lispector: “Como começar pelo início se as coisas acontecem antes de acontecer?”. E desde que li Seis homens, penso, como um menino, que a literatura poderia, sim, salvar a humanidade. Mas...