Aos 17 anos sonhava ser um desses repórteres enviados para algum front de guerra mundo afora. Não pela adrenalina de sentir o chão tremer por conta de algum bombardeio. E, sim, pelo desafio de pisar naquele lugar e construir um relato a partir dos cacos. Porque o peso da palavra de um líder político nessa terra de conflitos tem seu peso e sentido, mas, muitas vezes, o discurso do chefe de Estado apenas despista a versão do verdureiro, da confeiteira, do motorista de caminhão e da professora.
Enquanto as tropas recarregam suas armas, enquanto os generais traçam suas estratégias, enquanto os aviões sobrevoam o território inimigo, há um exército trancafiado em suas casas, amordaçado em seus comércios, entrincheirado em salas de aula. A mão do professor treme enquanto desliza o giz branco sobre o puído quadro negro. Entre a pausa e uma longa rajada de metralhadoras, as crianças precisam focar na lição, tentando resolver equações abstratas. Todos ali pensam, inclusive o professor: “Por que fórmula de Bhaskara numa hora dessas?”. Mas ninguém consegue verbalizar.
Tenho a convicção de que as guerras e os conflitos, sejam eles no Leste Europeu, no Oriente Médio ou na Zona Norte de Caxias, deixam as pessoas ainda mais expostas às chagas do terror, porque convivem quase diariamente com a possibilidade de um tiro interromper a tentativa de tocar suas vidas. Sobreviver é milagre, morrer de causa natural é raridade. E, para além de tudo, é preciso sair de casa e lutar pelo ganha-pão. Além do risco de uma bala atravessar o peito do pai, há o risco desse pai ser alvejado com o desemprego.
Enquanto o mundo assiste pela televisão se a Rússia vai tomar para si a terra dos ucranianos, em Caxias faltam professores e escolas para dar conta de tantos alunos. Enquanto o dólar desce e o real valoriza, os supermercados reajustam os preços. Na fila da lotérica ouvi uma conversa entre duas senhoras: “Está caro até pra morrer, minha filha”. Enquanto os economistas reafirmam suas convicções de crescimento para o Brasil, apesar da eleição e da crise, aumenta o número de analfabetos no país. Uma criança que não lê e não escreve será, infelizmente, um alvo fácil de ser abatido nessa luta pela vida.
Pelo Twitter, mensagens são disparadas com a intenção de motivar os exércitos de influencers que brotam dia e noite sem parar. Retuitar é o verbo das tropas, não importa se posts de inverdades ou verdades condicionadas ao interesse da plateia. No entanto, em zonas de conflito, as fake news são punidas com tiros à queima-roupa. Em dois meses, Farroupilha chega a marca de oito homicídios. Em 16 de fevereiro foram assassinadas quatro pessoas. Entre o dito pelo não dito, sem piedade, bala neles. Farroupilha e Caxias, em nada se parecem com o Afeganistão, em nada se parecem com a Jerusalém que dorme e acorda com a tensão de uma bomba a explodir. Mas, para um repórter, aqui também é terra onde é preciso construir a realidade a partir dos cacos. De mil cacos e suas mil e uma versões.