Uma adaga bem afiada corta, rasga, machuca e pode inclusive causar a morte. Em guerras do passado, aquelas de confronto olho no olho, quando um soldado abatia o inimigo conseguia ouvir gritos de dor, gemidos e o último suspiro, de tão perto que estavam na linha de batalha. Com o tempo, por causa dos avanços da engenharia na aplicação de novas tecnologias, foram criadas máquinas por terra, ar e mar, com a finalidade de causar maior impacto destrutivo, sem colocar em risco o seu exército. Sem falar nos drones, usados hoje em dia, aproximando o mundo virtual, antes restrito aos games, para a realidade nua e crua.
Quando penso em guerra logo me vem à mente alguns dos filmes do cineasta Stanley Kubrick. Além do conflito armado, com cenas de ação, tiros e explosões para todos os lados, o enfoque do Kubrick sempre foi dissecar a alma, penetrando fundo nas pulsões e motivações dos personagens. Importava mais ao cineasta o conteúdo psicológico, com suas implicações nas relações interpessoais e em como as peças são movidas no tabuleiro, para benefício político e econômico deste ou daquele líder.
Para quem deseja entender melhor a atual disputa ente russos e norte-americanos, em posição de conquista ou defesa da Ucrânia, por favor, assista a Dr. Fantástico, filme do Kubrick lançado no emblemático ano de 1964, só pra ajudar na especulação. E se eclodisse uma guerra por causa de um mal entendido? Não seria a primeira vez que o mundo assistiria a uma batalha que começou com palavras mal interpretadas.
Essa tal guerra de narrativas parece que veio pra ficar. Dia desses, assistindo a uma reportagem na televisão, o repórter perguntou a um comandante do exército ucraniano se ele acreditava que os russos poderiam realmente invadir seu país. O oficial deu de ombros e respondeu que isso tudo faz parte de uma “guerra de informação”. Ou seja, para ele ficava evidente que antes dos mísseis sobrevoarem seu país e antes da invasão por terra, russos e norte-americanos estariam travando uma disputa de palavras, discursos sobre informação e contrainformação, para justificarem suas posturas diante dos holofotes.
Escrevo isso enquanto os russos pretendem estabelecer uma espécie de acordo com os ucranianos para que possam minar a presença de forças da Otan (aliança militar ocidental), a fim de que esses países fiquem distantes da fronteira da Rússia. Tudo isso, no entanto, fica em suspenso por causa do peso de uma palavra. Porque guerras, apesar de justificáveis, sob o olhar de quem manda invadir, atirar e matar, quando avaliadas com distanciamento, serão sempre injustificáveis.
E quantas guerras poderíamos evitar, nós que somos pobres mortais, despidos da investidura de uma autoridade bélica como a desses caras, se calássemos ao invés de proferir uma palavra que corta, rasga e machuca? Ou alguém ainda duvida que uma palavra mal dita e mal interpretada pode matar?