Andei relendo Drummond. Talvez motivado pelo fato de que em 2022 completam-se 120 anos de seu nascimento em Itabira do Mato Dentro (MG), sendo ele o nono filho de Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond de Andrade. Dentre a pilha de livros do autor, o primeiro que peguei na prateleira foi As impurezas do branco, lançado em 1973. Havia uma marcação entre as páginas 74 e 75. Foi inevitável então abrir e deparei-me com dois poemas, um em cada página: Vida depois da vida e Único.
“A morte não existe para os mortos” escreve Drummond, na abertura de Vida depois da vida. E prossegue: “Os mortos conquistam a vida, não a lendária, mas a propriamente dita a que perdemos ao nascer”. Mais do que nos envolver por meio de um jogo de palavras, Drummond parece alimentar em nós o dito mistério da fé, de que há vida depois da morte.
Por outro lado, na página seguinte, o autor sentencia a Deus como “único problema”, “único enigma”, “único culpado”. Esse conflito existencialista, esse confronto de ideias, só reforça a importância e o valor da poesia. Um poema nunca servirá a algo, como se fosse um produto que se compra em loja de departamento. A poética rompe limites, rasga manuais e aniquila dogmas.
Para alguns, o verso “o único culpado é Deus” afronta a divindade e denota ira desmedida. Quem nunca questionou Deus que atire a primeira pedra. E por Deus, entenda-se toda manifestação da multiplicidade de crenças e religiões. Confesso que não sei como Drummond viveu os últimos dias de sua vida. Imagino que, além da tristeza profunda, tenha duelado com Deus o tempo todo.
Explico. No dia 5 de agosto de 1987 morreu Maria Julieta, filha de Drummond, aos 57 anos, vítima de câncer. Então, menos de duas semanas depois, no dia 17 de agosto, morreu Drummond, imerso em desatino. Não sei qual é a dor de um pai ou de uma mãe que enterram seu filho. É o velório mais triste de todos, sem dúvida. Como ensina Drummond, “A morte não existe para os mortos”. Quem fica sofre, porque sabe que não vai mais receber o abraço apertado do filho nem vê-lo sorrir.
Desde domingo (16), pelo menos cinco famílias choram copiosamente a morte de seus filhos aqui na Serra. Crianças de dois e três anos e adolescentes de 13 e 14 anos, cujas vidas foram ceifadas cedo demais. Não há palavra que conforte os pais, não apenas por serem tragédias recentes. Certa vez, acompanhando um grupo de apoio para pais enlutados, no Instituto Luspe, ouvi de uma mãe: “Já se passaram 19 anos, mas meu último pensamento do dia é no Rodrigo, quando me deito e já acordo pensando nele”.
É dor que nunca cura, apesar de aceitação e entendimento racional do luto. Aos pais e mães que já enterraram seus filhos, um abraço do tamanho da falta que ama.